quarta-feira, 29 de outubro de 2014

ver te

ver te é como estar pendurada

verticalmente

pela ponta dos pés

e sentir todo sangue

de dentro de mim fervilhar


é sentir o acordar

de todas as borboletas

daquela espécie que habita as barrigas


ver te

continua sendo a vertigem mais perigosa

o despertador de sonhos 

que me fazem ter que admitir

o que não quero

e não vou dizer


ver te 

é sentir vergonha

e medo

mas mais do que isso procurar seus olhos

e querer poder

te ver

um pouco mais.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Hoje no metrô.

Hoje no metrô:

-Mamãe, vamos descer aqui.
-Não, ainda faltam duas estações, filha.
-Quero ir lá brincar.
-Mas isso é obra de arte, filha. É vidro pintado, só pra olhar.
-Não é não, mamãe, é obra de arte para brincar.






Alguns meses atrás, no metrô.

"Pai, é ali onde os mortos que morreram ficam mortos?"  
"Não meu filho, isso é uma obra de arte..."


E depois de bisbilhotar a conversa alheia eu fiquei desconfiando:

Será que o significado de obra de arte
é aquilo que pode ser
todas possibilidades da imaginação das crianças?

Será que deixar se atravessar pela arte
faz a gente rejuvenecer?

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Simples e absurdo

Simples e absurdo

escancarado e enxuto

breve e profundo

um segundo que durou muito

porque o mundo fazia silêncio

O indizível

dentro de uma grande confusão

tento fazer calar as perguntas que me faço
no meio da calma do furacão

a gente é diferente
mas de repente a mágica acontece

eu não sei dizer
mas tem a ver com distância entre o céu e o chão

e muito mais do que posso sonhar
em poder explicar

Transborda a pele

muito devagar

mais lento

e parece que os minutos antes de dormir não existiram

e eu acordei aqui escrevendo

pensando nas borboletas que dançavam dentro de mim

em uma noite alegre e medrosa

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Se não for
amor
perco uma
rima

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Se você me ama

Se você me ama
não pode me achar estranha
por comer iogurte com geléia

Não pode me achar estranha
por dançar desse jeito
meio minhoca contemporânea

Por fazer contas inúteis
com detalhes fúteis
quando não sei o que fazer

Tem que achar legal
que eu faço poemas 
e músicas banais

Para dizer o que há por trás
de mil loucuras reais
que eu faço pra tentar ser um pouco mais

feliz


sábado, 4 de outubro de 2014

O gato assoprado

era uma vez
em um dia ensolarado
um gato malhado
então muito fortemente
soprou o vento
que agitou o movimento
da calma água do lago
mas foi tão forte o vento
que fez voar o guarda chuva
da velha viuva que mora no meu bairro
e que anda de guarda chuva
mesmo quando não tem chuva
o vento fez voar
os cabelos da janete
sobre seu sorvete de chocolate
que ela não conseguiu comer
e ficou passando vontade
fez tocar os sinos
na porta das casas dos meninos
da rua daqui de perto
soprou forte
tão forte, tão forte
que junto com as folhas das árvores
dos cabelos, dos sinos, das cortinas e das páginas dos livros
fez voar embora as manchas do gato
e foi assim que era uma vez
o gato assoprado.
Enric Balanzá