sexta-feira, 24 de abril de 2015

Servente de pedreiro

Quando mudei de casa, no meio do ano passado, muita coisa mudou. Apesar de terem sido apenas alguns quarteirões, a pequena rua Camarajibe, onde eu brincava com as crianças ficou muito distante. Agora eu moro em uma rua comercial, em um prédio que fica em cima de uma locadora, uma farmácia, uma loja de sapatos, uma loja de produtos de limpeza, uma lanchonete de donos chineses e uma papelaria, no centro da cidade de São Paulo.

A mudança para meu novo apartamento, infelizmente ou felizmente, dependia de uma reforma no banheiro. De uma maneira até que esquisita, me agradava a privada, a pia e o bidê cor de rosa, os azulejos floridos rosa e dourado… Mas tinha muito mofo e problemas nos encanamentos. Precisaríamos quebrar tudo e colocar tudo novo. O corretor nos empurrou um mestre de obras de sua confiança, que morava no prédio da frente.

Não conhecíamos nenhum outro profissional, ficamos com ele. No telefone eu tinha suspeitado, pessoalmente ficou bastante claro. Ele era gay.  Achei legal, de alguma maneira aquilo me pareceu um passo contra o machismo e a homofobia nesse segmento. Ele dizia o preço dos materiais e dos serviços sempre com alguma maldade, com muita segurança da qualidade do seu trabalho.  Seguindo aquele estereótipo da "bicha má". 

No primeiro dia que fui visitar a obra, tinha um menino comendo uma marmita na sala de casa. Ele pediu desculpas por usar o microondas sem pedir limpando a boca de farofa, e sorriu. Lindinho, fortinho, ficou me olhando nos olhos um tempão. Ele se apresentou, eu me apresentei… 

-Todo mundo que estuda teatro é meio assim, que nem você, não é? - Ele perguntou tímido
-Como assim?
-Diferente… - Respondeu sem graça
-Você me acha esquisita? - Perguntei sorrindo.
-Acho um pouco...
-Você me acha gostosa? - Perguntei sorrindo e olhando pra ele.
-Como assim? A senhora? A senhora é bonita… Me desculpe viu, eu não queria ofender a senhora não…

Ele saiu da sala, e eu precisa sair pra trabalhar também. Nos próximos dias deu pra perceber que aquele mestre de obras tinha um belo gosto pra escolher os ajudantes. Meu banheiro ficou incrível, mas nenhum dos outros homens que trabalharam em casa, apesar de muito bonitos, eram lindinhos como aquele menino.

Depois de mais ou menos um mês no bairro, descobri que o mestre de obras toma café da manhã todos dos dias as 7 horas da manhã com seus ajudantes do bar de esquina, antes de começarem o trabalho. Então varias vezes eu passei pelo menino e a gente se olhava, ele ficava tímido. Passei a encontrar com ele pela rua várias vezes no dia, mas ele nunca estava sozinho.

Fiquei pensando mil vezes uma fantasia idiota (talvez burguesa)... Como seria transar com o ajudante do pedreiro. Existe uma diferença cultural que é grande entre a gente e claro uma diferença social. Seria uma novidade e eu e os meus preconceitos idiotas decidimos que era isso que eu queria: dar para o servente do pedreiro.

Hoje eu estava subindo a esquina de casa carregando minha bicicleta pela calçada e eu o vi de longe, sozinho, pensei que talvez eu pudesse falar com ele. Conforme eu me aproximava percebi que ele ainda não tinha me visto. Na esquina tinha três meninas de 15 ou 16 anos, usando calça jeans apertada e maquiagem. O rapazinho se aproximou de uma loira bem peituda pelas costas e disse:

-Hum… Gostosa!

Ele continuou andando, nem um segundo depois de dizer,  virou pra frente e deu de cara comigo. Ficou vermelho como um pimentão. Acho que não pude esconder no meu rosto o desapontamento e o embaraço.  Ele me olhou fixamente, desviou e saiu sem falar nada, quase correndo. Também fiquei com muita vergonha, não por ele, mas constrangida por não ser o tipo de garota que ele gostaria. E agora, depois de seis meses morando no bairro, tenho a impressão de que eu realmente falhei em uma missão, que o senso comum com certeza julgaria ser muito fácil: Dar para o servente do pedreiro.


domingo, 5 de abril de 2015

Canção para escutar com coração

As vezes as histórias nos ensinam uma lição
Tudo que eu quero é escutar com o coração
Uma andorinha sozinha não faz verão
Então vem comigo pra cantar esse refrão:
Há histórias para dormir
Histórias para aprender
Quantas eu invento cada dia que eu viver?
Há histórias para brincar,
Histórias para cantar
Quantas na minha vida, para sempre vou guardar! ...

No elevador, uma menina de 4 anos me perguntou:

-Você é a moça que trabalha na loja de sapatos?
-Não, eu sou professora.
Ela disse para a mãe cochichando:
-Pergunta pra ela de que!
-Eu sou professora de artes - Respondi.
-Eu tenho artes na escola, mas não é todo dia...
-Você gosta? - Perguntei.
-Eu gosto, porque na aula de artes eu pinto.
-Eu também gosto...
-Se você é professora de artes, você sabe por que não tem aula de artes todo dia?
-Eu não sei... Mas se tivesse seria bom, não é?
Ela pensou bastante e respondeu animada:
-Sim!!!!