quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O encontro do menino apaixonado com dona morte

                   
Caros colegas de classe
Não sou do sertão nascida
Por isso peço licença aos mestres
Para falar da cultura escolhida
Vou lhes contar sobre uma arte
Que também imita a vida

Essa arte com o tempo
Vem sofrendo mudanças
O cordel da nossa lembrança
Já está nos livros e no computador
E até nas universidades,
Na mesa do professor doutor!

Mas muita gente ainda canta
Muita gente ainda gosta de pendurar
Suas histórias em um varal
Pra o povo poder comprar
E quem duvida pode ir buscar
Na terra de painho que vai encontrar

Em toda minha pesquisa
Pra fazer essa lição, surgiu uma questão
Se o sapo pula não é por boniteza
E sim por precisão
E se o povo ainda canta
É porque não se cala o coração

Se num mundo com tanta tristeza
O sapo continua a pular, tenho algo a declarar
Como diria um grande mestre
Que também é grande artista
Se não acreditássemos num futuro melhor
Ninguém iria ao dentista.

E foi pensando nisso que eu decidi contar 
A história de um menino
Que botou dona morte pra correr
Lhe contanto das maravilhas
Que a vida pode ter

Magro, franzinho, briguento e calado
De cara fechada, sozinho e invocado
Vivia no sertão e morava na estrada
Brincava de bola com os meninos da vila
E quando se machucava fingia que não doía.
O menino era forte, corria em disparada
Se a bola ia descendo os barrancos da chapada

Era um menino sozinho, o menino do agreste
Que conhecia todos os passarinhos
Que cantavam nesse nordeste
Ele se exibia dizendo:
Quiriri, Sabiá azulão e maguari
Jaçanã, Tuim, Beija flor e Saí
Bico-chato-de-orelha-preta
Biguá e  bem-te-vi
Talhamar , Xexéu, Sacua, Siriri
Pica-pau , Mão da lua, Savacu e Sanhaçu
.
Tinha boa memoria, gostava de lembrar
O nome das belezas da natureza do seu lugar
Ele mesmo não tinha nome
E por ser magro e nanico,
Chamaram o menino
De zézinho tico-tico
Não tinha outro nome
Então ficou assim mesmo
Brincando na estrada,
Andando a esmo
Sonhar enquanto trabalhava a enxada
Era seu jeito de espantar o medo

Não tinha chinelo de dedo
Mas ia pra escola sem ninguém mandar
Achava ruim bronca de professora
Sem saber o que o futuro iria guardar,
Até que o menino sem pai nem mãe
Foi de vez pra roça trabalhar
Acabou-se a brincadeira nessa vida sofrida

Ele trabalhava pra ganhar
Um  prato de comida
E um teto pra dormir
Com um buraco pra ver as estrelas
Depois que a noite cair.

Um dia sozinho, andando no mato
Muito cansado pelo dia de trabalho
O menino viu uma dona de preto
E como menino, se viu sozinho e com medo
A dona morte se aproximou
E de espreita ao menino perguntou:

“Ainda não está cansado da vida?
Trabalha, trabalha e quase não tem comida!
O que o mundo tem pra te dar
Se é sozinho sem família e sem lar?
Achei boa hora vir te buscar
Anda, conhecer o lado de lá”

O menino pensou bastante
Não sabia por que vivia,
Porque ir adiante? Se nada de bom acontecia?
Mas então lembrou do céu de estrelas
No buraco em cima da cama
Tinha coisa mais bonita
Do que o céu que a gente ama?

“Dona morte eu não quero
Tem alguém a me esperar
As estrelas em cima da minha cama
Que eu tenho que espiar
E de dia tem os passarinhos e as belezura do sertão
A gente pensa que tá ruim
E depois que olha fica bão


A vida eu vô levando
Acho que tá meio cedo pra eu morre
Quero ver mais um pouquinho
As estrelas e o sol nascer
Tudo tem sido ruim
Mas eu sei que vai miora
Até já me disse um conselheiro
Que o sertão vai virar mar

Parece que hoje em dia
Tá mais pro mar virá sertão
E eu nem sei como ajudar
No meio dessa confusão
Só lhe peço dona morte
Não me leve agora não

Eu ainda tenho que namorar
As estrelas do sertão
Te peço de coração
pois minha vida tem valor
Que ver eu lhe provar?
Posso lhe dizer com amor
As beleza desse lugar”

E o menino pois se a falar
Do pé de laranjeira boa de chupar
Falou do buriti do caju e do sapoti
Do pequi do bacuri do umbu e do oiti
Falou da fruta pão, da manga, do cajá

E também do caju, fruta boa pra amarra

Falou da cana caiana
e da mandioca que dá farinhada
do milho do arroz e da fava
Dos coqueiros e das palmeiras
Onde a sabiá cantava

Contou do babacá e da carnaúba
Do tucum preto e da macaúba
Do voo do bem-te-vi
Que descansa e cantarola
Na palha do miriti
Ao som de sanfona e viola

O menino explicou pra morte
Que tinha muito pra aproveitar

E que nessa terra  tinha sim 
Uma família para cuidar
E que estava ameaçada
Precisando dele com certeza

Pois sua mãe de verdade era mãe natureza
Que muito tinha o ajudado
Até a mostrar pra Dona Morte
As belezas desse seu lado
“Te peço não me leve embora Dona Morte
Pois amanhã cedo tenho que estar acordado!”

Dona morte foi-se embora
Pois descobriu o menino apaixonado
Pelas riquezas da natureza
E pelas belezas do seu estado
E hoje ele agradece por ser nordestino
E viver seu destino, nesse chão abençoado



Essa foi minha narrativa
De vocês eu me despeço
Como a mensagem positiva
De um menino muito esperto
Espero que a gente
Sempre possa valorizar

O privilégio que é a vida
Amando e cuidando do nosso lugar






domingo, 11 de janeiro de 2015

Caio, Luciana, João e Neide.


A rua Cruzeiro é uma rua pobre, mas não muito pobre, pois fica ainda na região central da cidade. A rua Cruzeiro tem muitas árvores, mas ainda assim é uma rua feia, antiga e suja. Tem muitos gatos que miam noite adentro em tempos de cio.

Uma das esquinas da rua Cruzeiro é uma rua chamada rua do Bosque.

A rua do Bosque é bem grande, muito comprida, suja e quebrada. Entre as casas feias e pobres e entre a gente feia e pobre da rua do Bosque estão Seu João e sua casa.

Seu João tem 85 anos e vive só. Sua casa tem 65 anos. A casa do Seu João está na rua do Bosque no mesmo quarteirão da rua Cruzeiro.

Na rua Cruzeiro tem uma pequena vila, na qual se entra por uma pequena rua chamada antigamente de travessa Sardenha (há uma placa vermelha da prefeitura com esse nome grafado), porém hoje os correios ignoram esse nome, e a vila está simplesmente na rua Cruzeiro 231.

A vila de casas é muito pobre, úmida, com infiltrações e muitos gatos que miam toda noite quando estão no cio.  Ulisses foi o nome que o Caio escolheu para um gatinho que decidiu morar na sua casa e que o rapaz decidiu alimentar.

Caio tem 28 anos, ele mora com quatro pessoas e sabe o que não quer. Ele não quer outra namorada. Tudo seria mais fácil se ele não estivesse, de alguma forma, apaixonado por uma menina.

Uma menina de 17 anos chamada Luciana e que morava na Mooca,  um pouco longe, porém ela tinha muito afeto e familiaridade pela região da rua Cruzeiro porque ali ela caminhava com o Caio de noite para buscar o que jantar, fazer amor, ouvir os gatos derrubarem latas, pisar nos telhados, gemer quando estão no cio e dormir.

Havia um desencontro entre as vontades do casal, e muito choro e muitas palavras à toa em uma tarde de sábado. Luciana chorou o tempo todo. Caio só chorou sozinho no caminho de volta para rua Cruzeiro.

No dia seguinte Luciana almoçou com sua mãe e de repente quis largar meio prato de comida na mesa e foi para rua Cruzeiro, não sabia o que iria dizer, mas queria vê-lo, inventou uma desculpa, um objeto esquecido para entregar.

Quando ela chegou ele não estava, segundo alguém, ele tinha acabado de sair. Decidiu esperar. Enrolou um baseado. Rapazes se aproximaram, perguntaram quem ela era e o que fazia. Ofereceu maconha para eles, ficou contente que eles não aceitaram, explicou quem era e o que esperava, os rapazes pronunciaram alguns tipos de cantadas, mas respeitando mais ao Caio do que a Luciana, foram embora.

Então Seu João se aproximou, disse que ficaria ali com ela esperado Caio chegar, para protege-la dos caras perigosos da rua. Luciana ofereceu maconha, o velho recusou com muita convicção, disse nunca ter fumado disso dai na vida, só cigarro normal mesmo, esse sim ele gostava de fumar. Mas, curiosamente, mencionou que suas companheiras sempre fumaram, ele não gostava, mas elas fumavam.

Luciana perguntou quantas vezes ele foi casado, ele respondeu três.  Uma vez por  dois anos, uma por cinco e uma por onze.  Ela perguntou quantas vezes ele amou. Ele disse que gostou muito das três. Ela perguntou de qual ele gostou mais. Ele disse que da que ele ficou onze anos, que foi última e se chamava Neide.

Neide era passista de escola de Samba, Seu João quis dizer isso dando a entender que ela negra e gostosa, ele tentou encontrar diversas palavras para explicar isso, e Luciana entendeu, mas ele não usou nem a palavra negra e nem gostosa.

Neide trabalhava de noite, e Seu João fez questão de dizer que ele sabia. Com isso ele quis dizer que ela era prostituta, usou diversas palavras para tentar explicar isso, menos a palavra prostituta.  Eles nunca moraram juntos, ela tinha um apartamento onde atendia próximo à av. Brigadeiro com a av. Paulista, mas ela não dormia em sua casa, todas as madrugadas, por volta das cinco ou seis ela ia para casa do Seu João na rua Cruzeiro e eles dormiam juntos.

Isso era pouco porque ele acordava para trabalhar as oito. Ele perguntou pra Luciana se o namorado dela fumava maconha, ela disse que não, e que não eram namorados. Ele respondeu aaah sim, como se tivesse entendido tudo, disse que falou de serem namorados porque sempre via os dois juntos pela rua.

Luciana perguntou se ele costumava ver o Caio com outras meninas. Ele disse que não, nunca e isso encheu o coração dela de felicidade. Luciana perguntou se o velho não tinha ciúmes da Neide, e ele disse que não, nunca e que aquilo era besteira.

Luciana perguntou porque ele e a Neide estavam separados, mas ele não ouviu, ou fingiu que não ouviu e começou a contar que o que ele mais gostava era de passar o natal com ela, que Neide comprava tudo, vinho, peru, salada e ia para casa dele, então eles cozinhavam e podiam passar uma noite inteira juntos.

Luciana perguntou se ele sabia onde ela estava, se estava viva. Ele disse que não sabia, que talvez estivesse naquele apartamento da av. Brigadeiro com a Paulista, mas que não tinha vontade de saber. Seu João tinha cheiro forte de cigarro e de sujeira, e gostava de falar de perto, de falar devagar.

Depois de três horas esperando o Caio chegou. Luciana disse que só veio entregar uma coisa, ele se ofereceu para esperar o ônibus com ela na rua do Bosque. Seu João ficou observando de longe. Que bom que era domingo e o ônibus demoraria bastante.

Eles se abraçaram, choraram, Luciana contou tudo que o Seu João tinha dito, o ônibus passou várias vezes, e eles ficaram de pé abraçados até o último passar. Caio convidou a Luciana para entrar, mas ela não queria repetir a rotina. Se beijaram muitas vezes, tiveram dor nas pernas, nas costas, mas continuaram ali, em pé juntos e parecia muito difícil se separar.

Acho que até hoje depois de tanto tempo, eles nunca se soltaram de vez.  A rua Cruzeiro deixou de fazer parte da vida deles alguns meses depois de janeiro do ano em que tudo isso aconteceu, Luciana e Caio foram morar juntos do outro lado do trilho do trem, na Barra Funda.  Mas atualmente não vivem mais juntos e não são namorados


E sobre a Neide e o Seu João, eu não sei, talvez isso sirva para mostrar alguma coisa pra gente, que eu ainda não consigo ( ou talvez não queira)  dizer.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

felicidade nas mãos

vontade de gritar cansaço dor de cabeça desligar o som é bom sentar na janela é maravilhoso. achou um pouco triste as manchas na sua coxa e no seu braço. sentiu sentiu sentiu saudade medo até se sentir bem sozinha sozinha que bom ir até a cozinha e quebrar com as mãos meia dúzia de ovos entre os dedos de olhos fechados um por um escorrendo uma massa espessa desacelerando para baixo sobre seus membros sobre o azulejo silenciosamente em paz.

a minha oferta

meu amor,

eu quero um pouco mais
eu quero imenso

eu quero um pacote
com laço e uma fita
infinita

com o fundo
do tamanho
do mundo

quero cansar meus ossos
confundir  meus passos

quero aquele abraço
de madrugada na av. São Luis

quero cantar na rua
uivar para lua

meu amor,

eu quero
eu quero enlouquecer.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

há pequenas estrelas

uma pequena felicidade
no céu
um segredo seu
que só eu sei

é noite
está quente
eu quero ver mais
vertigem

meu corpo na janela
se joga
mas não muito
volta

nunca volta como antes

eu estou sorrindo
hoje o dia choveu bastante

forte

eu estou perdendo o medo
estou aprendendo

a gostar
de brincar 
de passarinho

privar é uma forma de possuir

você chegou primeiro.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Essa coisa tão inovadora liberal moderna autossuficiente

que nos ensina a dizer ao coração para não amar.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Antes de cozinhar a beterraba não se pode descasca-la.


Antes de cozinhar a beterraba não se pode descasca-la eu li isso na internet um pouco tarde demais enquanto me perguntava porque nos restaurantes eu nunca comia a beterraba esbranquiçada como aqui em casa cozinhei a beterraba mesmo ela estando bastante murcha o gosto estava amargo não sei se por isso ou se porque quando coei a água da beterraba na pia a cor e a consistência daquilo se parecia muito com o sangue da tia Néia espalhado pelo vidro do carro. Ontem foi véspera de ano novo dia de festinha uma festa da minha família embora tivéssemos alguns outros convidados nossa família não come carne de porco tia Néia na verdade não era da família era irmã do meu padrasto e fez para festa um tender rosado cheio de cerejas, cravos espetados e calda de pêssego a visão da carne rosa no papel filme era pra mim uma visão inexplicavelmente nojenta sinto muito aos que tem respeito transcendental pelos alimentos em consideração  aos que passam fome no mundo. A calda de pêssego não parava de pingar no carro tia Néia já tinha ensopado duas flanelas e queria ensopar a toalha de mesa da minha mãe elas brigavam por isso e minha mãe brigava com meu padrasto por conta do caminho minha mãe briga com eles na verdade porque eles são gordos e comem muito e ela come muito quando está com eles minha mãe não era gorda antes de se casar e acho que ela ainda não os perdoou por ela ter engordado também um carro passou pela gente muito rapidamente sem controle da direção os pneus cantavam no asfalto e ele fez a curva tão rápido que não pude sequer ter certeza da sua cor todo mundo se assustou comentou ninguém entendeu tia Néia não parava de repetir o sangue de Jesus nos guarda e nos protege sangue de Jesus nos guarda e nos protege sangue de Jesus nos guarda e nos protege  em seguida uma viatura da polícia passa por nós seguimos nosso caminho e temos a impressão de que no cruzamento foi o carro para um lado e polícia para outro o sangue de Jesus nos guarda e nos protege  sangue de Jesus nos guarda e nos protege minha mãe dizia se tratar de uma perseguição tia Néia orava meu padrasto dizia que era coisa da nossa cabeça e eu tentava não olhar para o tender outra viatura passa por nós um homem negro gordo velho careca de camiseta listrada e com uma mala de de viagem desce na avenida com uma mão dentro da mala sangue de Jesus nos guarda e nos protege sangue de Jesus nos guarda e nos protege  sangue de Jesus nos guarda e nos protege  quando nós paramos no farol para atravessar a avenida surgem viaturas de todos os lados o sangue de Jesus nos guarda e nos protege os homens que vendem tranqueiras entres as faixas da Salim Farah Maluf se afastavam recolhendo suas coisas tia Néia beija o santo o sangue de Jesus nos guarda e nos protege sangue de Jesus nos guarda e nos protege  tem homens sem camisa com armas grandes apontadas para suas costas de frente pra um muro o farol não abre ouço um som alto e grave ecoar lentamente o homem de camisa listrada segura uma arma em nossa direção em seguida a janela do carro se parte estridentemente e os vidros rachados se tingem de sangue da tia Néia que não pudera terminar de dizer o nome de Jesus quando caiu morta. O tender escorregou de sua mão e durante o caminho o chão do carro se coloriu de sangue e calda de pêssego.