domingo, 27 de dezembro de 2015

amanhã eu vou visitar a minha avó.

minha avó, aos  93, diz que o único que lhe olha nos olhos com dignidade é seu bisneto que há pouco completou seis meses de vida. eu espero minha mãe dizer para eu ir vê-la. felizmente ultimamente ela não diz quase nunca. quando diz me dói e uma vez ou outra eu me disponho. torço que para abrir a porta ela demore, um tanto que me garanta uma escusa para eu ir embora. eu não tenho dignidade para encarar a profundidade dos sentimentos da minha avó moribunda e desesperada para dizer me das coisas que aprendeu no último século. eu até gosto de ouvir, quase sempre não me esqueço das suas palavras. minha avó me faz muitos pedidos. me pede para viver. para ser gente, e não velho nesse mundo. eu passo a bola mais porque não quero, do que porque não posso, mas de fato também não posso ajudar. eu fico perguntando onde minha mãe encontrou tanta dignidade para não colocar a minha avó num asilo. elas estão me educando. minha mãe grita. quero dizer que ela está errada, mas eu sou só uma visita. olho para o chão e quero ir embora. penso em comprar alguma coisa para minha avó. me atiro na zona de conforto com toda gravidade. deixo o coração pesar sobre a cama. penso na minha avó chorando e não sei mais explicar porque não consigo me compadecer ao ponto de dedicar a ela um pouco mais da minha juventude. nada importa o que ela foi, se fez o bem ou o mal, é gente velha e desamada. penso em comprar alguma coisa para ela. olho para os lados com medo de encontrar dentro de mim a compaixão.está certo, tudo bem, amanhã eu vou visitar a minha avó.


domingo, 20 de dezembro de 2015

mastigo o silêncio
estou esperando
acordo e corro sem nem saber pra onde
depois eu me lembro
eu tô com saudade

eu vou esperar
vou arranhando as paredes do quarto
atrás do quadro
é meu segredo

vou jogando fora
aos poucos 
o que eu não quero mais

esperando que você volte 
e perceba que estou bem melhor

contra todas as estatísticas
eu vou conseguir
caminhar sobre a neve
sem deixar pegadas



Os homens da minha vida

F tem as mesmas preocupações de 5 anos atrás. Nossa criança sobreviveu
De P,  quase deixo de existir quando sinto saudades, tamanho vazio
C não precisa mais esconder: sua felicidade é passar o rodo
M é uma lembrança tímida e carinhosa
Ms com certeza está melhor sem mim
L enrola a vida
Cr segue pelos dias rompendo as barreiras de sua existência essencialmente mediana
De Fc eu não sei, espero que esteja bem
Superando todas as estatísticas: B ainda tem paciência parra discutir a existência de Deus na internet.
S sonha em ir comigo pro samba: seria lindo mesmo
Mn nunca vai entender o significado da palavra prontidão, para sua sorte meu amor é paciente
G, depois de anos, me deu motivos concretos para me afastar
T as vezes pede para eu ler um poema seu
E me fez gostar de ter sido adolescente um dia
Gl… Eu ele e meu clitóris em dois mil e nove. A primeira vez não volta nunca
Gv: generosidade e conveniência, juntas como o mundo nunca viu
J me deu o poema mais lindo que ganhei
R me deixa feliz em pensar que ainda ele existe, em algum lugar não tão distante
Rd me deixa feliz quando respeita que eu não quero vê-lo nunca mais
H morreu, e eu nunca lhe dei uma chance de me divertir
Fx foi desejo e conflito. Nem uma palavra em direção ao que grita o coração
W vive tão perto e é tão querido... A vida ainda nos unirá
Do V não sou mais amiga, não sei porque
Mt nunca mais esteve bonito como quando o conheci. Ele tinha razão, dez anos era muito
P é doce e sincero
Gn tem tanto talento, que mesmo tentando, não vai acabar consigo mesmo
D foi uma lição da vida que aos poucos vou decifrando

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

sonhei que tudo era um sonho
acordei e chorei de medo

eu estou um pouco farta de acessar
os meus próprios segredos

mas eu sou uma pessoa que sonha
e não sei o que saberia dessa vida

se não sonhasse

acordei e chorei de medo
gritei seu nome três vezes

antes de você responder
vi seus sapatos na porta de casa

e mesmo sem ouvir a sua voz,
tudo foi alivio, meu corpo afundou na cama

como um comprimido que se desfaz na água
prazerosamente

você existe
e divide comigo sua vontade de viver

me faz querer descobrir
todos os mistérios de existir

num ato de coragem:
amar dizendo a verdade

eu não duvido por um segundo
mas corro pra sala e te abraço

com vontade de viver


https://www.youtube.com/watch?v=9YUE72HmrPc



quarta-feira, 25 de novembro de 2015

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Alguma coisa errada

Quando nos separamos minha avó disse "tá vendo boba, se tivesse casado de verdade, nessa hora você exigia seus direitos". Eu me sentia tão absolutamente com uma mão na frente outra atrás, que aquilo fez todo sentido do mundo. A casa era minha, o liqüidificador era meu… Mas eu ainda sentia que haviam faltado com os meus direitos. Com os meus direitos mais humanos. Ser amado pela pessoa amada. Isso parece muito direito. Errado é abandonar quem te ama deixando meia dúzia de camisas sujas em casa. Isso não esta certo, se humilhar diante das camisas da pessoa amada.

Nos olhos da minha avó eu via a mais absoluta piedade, não que eu julgasse que não merecesse, só que suas grandes bolas azuis cheias de veias vermelhas me pegaram de surpresa. Minha avó não entende nada, mas sabia que eu estava sofrendo. E que aquilo, de alguma maneira não estava certo.

Não pode ser que a gente que ama tanto não saiba fazer o bem, não pode ser que o medo seja maior que o amor, não pode ser que a sensação de alguma coisa além da vida tinha unido as nossas almas passe a não significar absolutamente mais nada. Não pode ser que depois de um ano você me diga que não ama sua namorada e eu te confunda com um ciclista na  minha rua e grite seu nome pro vento. Isso está errado.

Todo mundo na rua está me olhando, e você nunca nem teve bicicleta. Isso de gostar de quem não gosta da gente deveria ser contra os direitos humanos, contra os direitos mais humanos do ser humano. Depois de um ano ver você assalta toda a minha humanidade.  Faz me sentir como um cachorro que não se reconhece de frente para um espelho.

Eu estou feliz, eu sinto que em toda minha vida, meus desejos e minha liberdade nunca foram tão contemplados no amor. Eu quero casar. Talvez você também queira, eu acho que você ama sim sua namorada. Mas algo me diz que no encontro dos nossos dois olhos tem alguma coisa errada.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

janelinhas

sorri os seus espaços
seus passos
cautelosos na escada
anseiam a chegada

mil desejos não encontram palavras
e os olhos grandes transbordam querendo dizer

posso entrar?
posso te dar um beijo?
eu queria que soubesse 
que eu estou aqui

e que nenhum leão é maior do que essa força
diante dos seus pequenos medos, eu cresço

eu acordo
quero te dizer como é linda
te ver levantar as bochechas
apertar os olhos
e escolher o que vai dizer

eu fico querendo as suas respostas
fico querendo sorrir
querendo te contar

o amor é um mar rebelde dentro de um casulo
é toda vontade de ser

e quando você é
o ar se expande
eu sinto

o céu sorri em noite de chuva
o sol em outro continente se contagia

será que o bem que se quer,
sempre se realiza para aquele a quem se quis?
se pudéssemos ter certeza
todo mundo que te ama ya ser mais feliz.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

então aqui não tem mais nada seu
nenhuma camisa com seu cheiro pendurada

nao tem nenhuma palavra boa
que possa definir o que voce me fez

logo que eu peguei as chaves
viemos os dois ver o apartamento vazio.

a gente fez amor no balcão
dormiu em cima da capa do violão

eu não sentia falta de nada.

Poema inspirado no drama estático de Maeterlinck

a mãe é muda
o pai não pisca para não acordar a criança
que dorme ou mama
no peito da mãe
com os pés sobre o pai

a noite reclama
garoa fina
saudades de antes
uma nuvem de medo
distante se aproxima

os olhos estáticos da menina no rio
o corpo estendido no frio
vem boiando na água até a porta
da cabana de madeira
de paredes tortas

a noite é muda
mas não é surda
as gotas escorrem pela telha
o sangue pelas veias de quem vive
e quem não vive é paisagem

todo mundo quer viver e não sabe como
o inferno é o outro
ou é a gente mesmo e os outros não ajudam
não adianta…
parece que melhora, mas cansa

não há confiança que não se traia
os olhos desviam da respiração intermitente
do casal que não fala
e que mente expirando
o que sente e não traga

tem um corpo boiando no rio
a nuvem de medo distante
é roxa e preta e azul da cor da noite
o sangue vermelho no rio é da cor do sinal
uma luz forte em sua fronte

desce do carro
respira o sereno
tem uma mulher e uma criança em casa
o inferno é o cheiro de gasolina do carro velho
ou é viver sabendo que vamos todos morrer?

a luz do farol é verde
violentamente verde em sua paciência
o corpo dói mas se aguenta
a criança é muda e chora
rasga o céu em um grito amargo
tudo é dor e tudo é silêncio

a sensação é de que não passa



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Este homem velho é um senhor muito potente

Quase me fez desmaiar, feroz.
Isso é o que chama de instinto?
Instinto assassino!
De olhos fechados
Te vejo com meu intestino
Me ensina?
Quer que eu te mostre?
Eu te ensino!

Eu quero correr

Quero viver
Quero lutar com as mãos

Hoje o céu se abriu
Hoje eu te amo mais

Hoje eu quero seu braço 
Eu quero 

Seu traço 
Me traça 
Me abraça 

Eu sou potente 
Seus olhos são um poema 

Seu corpo é a paz de um poente 
Três da manhã de quinta-feira

No escuro do seu quarto
Seu coração é uma vela acesa

As margaridas da toalha de mesa
Suspiram escutando nossas almas no quarto

No seu corpo diante da janela
Meu infinito descansa e espera 

Com a cabeça no seu peito
Deixando seu cheiro me invadir por dentro

Não me deixa ficar 
Meu corpo quer ir 

Eu vou 
Eu sou 

Eu vou 
E te quero com todo meu destino

De olhos fechados
Te vejo com meu intestino

Quero com todo meu coração
Escrever sobre os seus abraços na palma da minha mão

Eu sinto com minha coluna no colchão
seus pés subindo a escada

Eu sabia
antes de você dizer 
que eu era sua namorada

Eu sabia
antes de você dizer

Eu desfruto de todo seu amor nadando nos seus olhos

Hoje eu quero correr
Expandir

Quero te comer
Te existir

Eu encontrei o mundo todo
o universo em um mapa roto

e lembrei do seu rosto 

Trepar com você me faz renascer um pouco

Encosta nossa pele assim
voce quer toda a entrega? De verdade?

Quer trégua?

Me pega
Se apega sem querer, que bom se contradizer

Se esfrega
Com prazer fica melhor comer

Escorrega
A língua com todo direito à ser

Entrega
Ouro, prata, lata 

O fenômeno da vida e da criação é o encontro das almas

São mais de um milhão

Mas foi a minha e sua
Segura na minha mão, segura

Que amanhã é sempre a calma do furacão

Quem sabe do outro dia?

Depois do sol pode nascer feijão
depois da lua pode nascer margarida

Tudo é surpresa na vida

Cetim na areia

Mostra a sua voz
Outra vez você

Olhar te assim
à sos

Dois faróis azuis

Na areia à meia luz
A seda urgente, a cruz

Vejo o mar alvo, azul

Você

Mostra a concha ao sol
Me convida a ver.



Mayara

Corre! O vento sopra no mato forte
Se esconde!  O vento volta do ar distante
Se expande! Enrola seu cabelo no milharal
Se volta! Confunde as cores no atrito leve
Me leva!

Sonhei com você de short e sem blusa
na minha rua..

O passo leve,
o olhar risonho...

Eu preciso aprender a te contar sobre os meus sonhos

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Me ensina a te amar

Estoy en la cocina
Te escucho por las escaleras
te miro y pienso: eu queria que você sentasse do meu lado

usted puede explicar a mi corazón que no pasa nada?

Yo no sé por qué
pero es así

ahora quiero quedarme aquí
solo un rato

déjame ver você feliz?

el cielo es inmenso, no es?
yo tengo miedo

tú me esperas un poco más?

Yo no sé por qué
pero es así

no cabe en las manos

me ajuda

déjame ver você feliz
divide a vida comigo

tudo que há está aqui

dentro de mim e transborda

me ajuda, me abraça
pega o chá e senta do meu lado


muéstrame cómo amarte.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Tem tem tem

Tem tem tem
Tem caneta na gaveta
Tem canela na panela
Tem vela na capela
Tem janela na casa dela
Tem rede na parede
Tem jornal no quintal
Tem rato no mato
Tem macaco no buraco
Tem pato no prato
Tem sobremesa na mesa
Tem ervilha na vasilha
Tem filha na família
Tem ânsia na infância
Tem dança na criança
Tem tristeza na certeza
Tem prosa na rosa
Tem timidez na nudez
Tem recato no beato
Tem tato no contato
Tem segredo no brinquedo
Tem medo no enredo
Tem calma na alma
Tem poesia na via
Tem ida e vinda na vida
Tem vontade na saudade
Tem verdade na vontade
Tem fé na praça da sé
Tem chulé no pé do seu zé
Tem biquini na vitrine da magazine
Tem gente que ama na cama de pijama
Tem um senhor no corredor da loja de penhor
Tem muito de encanto no canto e no pranto
Tem no verso e tem na rima
Toda lástima e estima
Dos meus sonhos de menina


quarta-feira, 27 de maio de 2015

A janela do meu quarto
outra vez

na outra calçada

uma mulher
velha

caminha

me sento para escrever sobre como essa mulher velha caminha em frente a janela do meu quarto

eu olho sempre a minha rua e a minha cidade e essa velha
daqui da janela do meu quarto

imagino que se eu pudesse ver
da janela da vizinha do ventilador de madeira

do outro lado da rua

o mundo se revelaria de outra maneira

sim

sim o céu mudaria de cor

eu descobriria a rotina de outros velhos mendigos esquizofrênicos


mas eu estou ainda aqui no meu quarto

e sentei para falar sobre como caminha a velha

que passa de noite pela minha janela


a primeira vez foi a primeira vez

sentei no pé da cama e me preparei para ver um espetáculo incrível

uma pessoa que caminha devagar

ela anda devagar

ela é torta

ela é pobre

é louca sim

mas de repente o espetáculo acaba e ela some na esquina

pra fora do meu campo de visão

a velha é uma fraude

sempre me chama atenção pelo seu caminhar aparentemente lento

mas quando olho

ela quase corre

ela corre lentamente

atravessa o quarteirão em menos de dez segundos

ela se arrasta correndo

nada se desentorta

nada se move da cintura para cima

ilusão de ótica

nunca nenhum espetáculo de dança contemporânea poderia apresentar nada parecido

estelionatária

as vezes a vejo passar e não olho de raiva

as vezes volto para procurar e ela já sumiu

ninguém nunca vai entender

e assim todos os dias

ela priva todos nós

de todo o mais que eu poderia dizer.



não tem silêncio
os seus olhos estão sempre procurando

as paredes do quarto são feitas de alto falantes
você está na sua cama
você está sozinho

você não sabe nada da vida

só que gosta de colocar coisas na boca

e caga e tosse e cospe

o que deveria rimar não rima e se perpetua essa mania de usar espaços

porque isso é poesia

não adianta
as pessoas na rua continuam conversando e não é com você

não, a máquina não pausa
não, a máquina não para

não dorme

não adianta
nessa merda dessa cidade não há direito à cidade

não tem direito
tem você sozinho no seu quarto pensando o que vai fazer para se defender

não adianta gritar
a conversa não é com você.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Manual de autodefesa emocional>organize suas prioridades com bom senso>não procure o que não quer encontrar>não procure encontrar sempre o que quer encontrar>se coloque em situação>defina o que agrada e o que não agrada>dê mais importância as coisas boas do que as ruins>não consuma o que faz mal>não aceite receber menos do que dá>não dê menos do que o outro merece>não assuma compromissos que não pode cumprir> não confunda dois monólogos com uma conversa>não manipule>não calcule>exercite a visão periférica.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Servente de pedreiro

Quando mudei de casa, no meio do ano passado, muita coisa mudou. Apesar de terem sido apenas alguns quarteirões, a pequena rua Camarajibe, onde eu brincava com as crianças ficou muito distante. Agora eu moro em uma rua comercial, em um prédio que fica em cima de uma locadora, uma farmácia, uma loja de sapatos, uma loja de produtos de limpeza, uma lanchonete de donos chineses e uma papelaria, no centro da cidade de São Paulo.

A mudança para meu novo apartamento, infelizmente ou felizmente, dependia de uma reforma no banheiro. De uma maneira até que esquisita, me agradava a privada, a pia e o bidê cor de rosa, os azulejos floridos rosa e dourado… Mas tinha muito mofo e problemas nos encanamentos. Precisaríamos quebrar tudo e colocar tudo novo. O corretor nos empurrou um mestre de obras de sua confiança, que morava no prédio da frente.

Não conhecíamos nenhum outro profissional, ficamos com ele. No telefone eu tinha suspeitado, pessoalmente ficou bastante claro. Ele era gay.  Achei legal, de alguma maneira aquilo me pareceu um passo contra o machismo e a homofobia nesse segmento. Ele dizia o preço dos materiais e dos serviços sempre com alguma maldade, com muita segurança da qualidade do seu trabalho.  Seguindo aquele estereótipo da "bicha má". 

No primeiro dia que fui visitar a obra, tinha um menino comendo uma marmita na sala de casa. Ele pediu desculpas por usar o microondas sem pedir limpando a boca de farofa, e sorriu. Lindinho, fortinho, ficou me olhando nos olhos um tempão. Ele se apresentou, eu me apresentei… 

-Todo mundo que estuda teatro é meio assim, que nem você, não é? - Ele perguntou tímido
-Como assim?
-Diferente… - Respondeu sem graça
-Você me acha esquisita? - Perguntei sorrindo.
-Acho um pouco...
-Você me acha gostosa? - Perguntei sorrindo e olhando pra ele.
-Como assim? A senhora? A senhora é bonita… Me desculpe viu, eu não queria ofender a senhora não…

Ele saiu da sala, e eu precisa sair pra trabalhar também. Nos próximos dias deu pra perceber que aquele mestre de obras tinha um belo gosto pra escolher os ajudantes. Meu banheiro ficou incrível, mas nenhum dos outros homens que trabalharam em casa, apesar de muito bonitos, eram lindinhos como aquele menino.

Depois de mais ou menos um mês no bairro, descobri que o mestre de obras toma café da manhã todos dos dias as 7 horas da manhã com seus ajudantes do bar de esquina, antes de começarem o trabalho. Então varias vezes eu passei pelo menino e a gente se olhava, ele ficava tímido. Passei a encontrar com ele pela rua várias vezes no dia, mas ele nunca estava sozinho.

Fiquei pensando mil vezes uma fantasia idiota (talvez burguesa)... Como seria transar com o ajudante do pedreiro. Existe uma diferença cultural que é grande entre a gente e claro uma diferença social. Seria uma novidade e eu e os meus preconceitos idiotas decidimos que era isso que eu queria: dar para o servente do pedreiro.

Hoje eu estava subindo a esquina de casa carregando minha bicicleta pela calçada e eu o vi de longe, sozinho, pensei que talvez eu pudesse falar com ele. Conforme eu me aproximava percebi que ele ainda não tinha me visto. Na esquina tinha três meninas de 15 ou 16 anos, usando calça jeans apertada e maquiagem. O rapazinho se aproximou de uma loira bem peituda pelas costas e disse:

-Hum… Gostosa!

Ele continuou andando, nem um segundo depois de dizer,  virou pra frente e deu de cara comigo. Ficou vermelho como um pimentão. Acho que não pude esconder no meu rosto o desapontamento e o embaraço.  Ele me olhou fixamente, desviou e saiu sem falar nada, quase correndo. Também fiquei com muita vergonha, não por ele, mas constrangida por não ser o tipo de garota que ele gostaria. E agora, depois de seis meses morando no bairro, tenho a impressão de que eu realmente falhei em uma missão, que o senso comum com certeza julgaria ser muito fácil: Dar para o servente do pedreiro.


domingo, 5 de abril de 2015

Canção para escutar com coração

As vezes as histórias nos ensinam uma lição
Tudo que eu quero é escutar com o coração
Uma andorinha sozinha não faz verão
Então vem comigo pra cantar esse refrão:
Há histórias para dormir
Histórias para aprender
Quantas eu invento cada dia que eu viver?
Há histórias para brincar,
Histórias para cantar
Quantas na minha vida, para sempre vou guardar! ...

No elevador, uma menina de 4 anos me perguntou:

-Você é a moça que trabalha na loja de sapatos?
-Não, eu sou professora.
Ela disse para a mãe cochichando:
-Pergunta pra ela de que!
-Eu sou professora de artes - Respondi.
-Eu tenho artes na escola, mas não é todo dia...
-Você gosta? - Perguntei.
-Eu gosto, porque na aula de artes eu pinto.
-Eu também gosto...
-Se você é professora de artes, você sabe por que não tem aula de artes todo dia?
-Eu não sei... Mas se tivesse seria bom, não é?
Ela pensou bastante e respondeu animada:
-Sim!!!!


sexta-feira, 20 de março de 2015

Pouco


quarta-feira, 18 de março de 2015

Contágio livre

eu vi no metrô
uma moça sorrir sozinha
e ri

talvez, se alguém me visse sorrir
essa pessoa pensaria
que estou rindo sozinha

e  riria

então

em alguns segundos

toda barra funda

estaria

à gargalhar!

segunda-feira, 9 de março de 2015

Minha avó chora.

Antes ela não chorava, mas de dois anos pra cá, desde que precisou sair da sua casa, ela chora. Por diferentes motivos, mas um dos motivos causadores de choro recorrente da minha avó, em seus quase noventa anos, era exibição de reprise do programa Viola Minha Viola.
Minha avó chorava dizendo que a Inezita estava doente, que não estava bem para gravar o programa, por isso estavam passando reprise. Explicávamos que era Natal, Páscoa, Ano Novo, que Inezita estava de férias. Não adiantava, minha avó sofria por Inezita não estar ali, ela tinha medo do inevitável. Até eu estava ficando com medo de quando acontecesse. E aconteceu.
Inezita era a motivação de vida da minha avó, porque ela era idosa e cantava, sorria, estava na televisão, com tudo. Se Inezita poderia fazer um programa usando fralda geriátrica a minha avó, com suas fraldas poderia fazer tudo. Não tinha outro programa para minha avó no horário da Inezita.
Minha avó está chorando desde que recebeu a notícia, quando pensamos que ela se acalmou, as lágrimas estão caindo de novo. Eu tento dizer algo para consola-la, escuto seu choro e tento não perder nenhuma das suas palavras: "A única coisa que eu tinha era ela, agora eu não sei o que vai ser, era um costume de muitos anos. Tem alguma coisa muito errada, não tem mais novidades, só temporal, não sei se é muita gente, muito cimento em cima da terra... Eu não sei, eu fico imaginando… Tentando saber o que vai ser... Só sei que eu não queria que a Inezita tivesse ido embora".






sexta-feira, 6 de março de 2015

mesmo eu já tendo ouvido falar,

quando aconteceu comigo

aquilo tudo reverberou como novidade

e foi muito mais do que eu esperava

mais do que eu queria te mostrar

mais do que eu queria me mostrar



foi lindo

eu tive medo do que você pudesse dizer

... mas você é assim.

você não diz.



você me olha 



parece que nada aconteceu antes

nada vai acontecer depois

não, não poderia ser mais

não poderia ser melhor









segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

lulu

lulu está no sofa
entediada, de blusinha branca

os cabelos bem dourados de sol
as bochechas sardentas queimadas

está mexendo nos meus chinelos
está chateada porque eu não quis a beijar

lulu, se você tivesse pelo menos 16
talvez um dia você deseje que todos eles sejam como eu era





domingo, 22 de fevereiro de 2015

e se eu não dirigisse minha bicicleta pela rua do seu trabalho?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

e se eu calar a minha boquinha?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O foguete do sensível


imagino que esteja satisfeito com as suas respostas nem sempre o silêncio é esclarecedor eu estou longe eu estou pensando muito eu abro os olhos e não me mexo da cama meus amigos dizem que pareço sempre estar entediada comprei alguns cadernos mas nunca mais escrevi à mão ligo pra minha mãe e digo que vou outro dia hoje faz uma semana meu coração dói eu não sei se você está lembrando do assunto mas digo pra mim mesma que você está digo pra mim mesma que eu cansei de brincar com seu pênis o espaço longo entre as últimas palavras e as que eu não sei se um dia virão me faz pensar que entre a gente nada de importante aconteceu que você não sente muito ou que o que sente nunca teve nada a ver com o meu enorme desejo de lançar o foguete do sensível.


terapia: https://www.youtube.com/watch?v=VXyHo53LBNc

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Desafeto

Tirar sua escova de dentes do armário do banheiro

Desrespeito

Oferecer sua escova de dentes para o próximo

Desamor

Usar sua escova de dentes para limpar a privada

Bright size life

Tenho um amigo que diz que essa música é um presente a vida!




Pagu

"Ninguém alcançou a imensidade de minha oferta. E eu nunca pude atingir o máximo do êxtase-aniquilamento: o silêncio das zonas sensitivas"

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

esse jeito de fazer escolhas

obrigando os outros a faze-las

prova real

não tenho amnésia, não bebo vinho, não uso batom desde 1994

erro de cálculo

duas taças ao lado da cama

eu só cheguei hoje cedo.

você não merce

nem uma música II V I


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

-Na minha cara, ele disse.

E eu bati

de mentirinha




segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

sobre fazer o amor caber

engolindo as palavras

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O encontro do menino apaixonado com dona morte

                   
Caros colegas de classe
Não sou do sertão nascida
Por isso peço licença aos mestres
Para falar da cultura escolhida
Vou lhes contar sobre uma arte
Que também imita a vida

Essa arte com o tempo
Vem sofrendo mudanças
O cordel da nossa lembrança
Já está nos livros e no computador
E até nas universidades,
Na mesa do professor doutor!

Mas muita gente ainda canta
Muita gente ainda gosta de pendurar
Suas histórias em um varal
Pra o povo poder comprar
E quem duvida pode ir buscar
Na terra de painho que vai encontrar

Em toda minha pesquisa
Pra fazer essa lição, surgiu uma questão
Se o sapo pula não é por boniteza
E sim por precisão
E se o povo ainda canta
É porque não se cala o coração

Se num mundo com tanta tristeza
O sapo continua a pular, tenho algo a declarar
Como diria um grande mestre
Que também é grande artista
Se não acreditássemos num futuro melhor
Ninguém iria ao dentista.

E foi pensando nisso que eu decidi contar 
A história de um menino
Que botou dona morte pra correr
Lhe contanto das maravilhas
Que a vida pode ter

Magro, franzinho, briguento e calado
De cara fechada, sozinho e invocado
Vivia no sertão e morava na estrada
Brincava de bola com os meninos da vila
E quando se machucava fingia que não doía.
O menino era forte, corria em disparada
Se a bola ia descendo os barrancos da chapada

Era um menino sozinho, o menino do agreste
Que conhecia todos os passarinhos
Que cantavam nesse nordeste
Ele se exibia dizendo:
Quiriri, Sabiá azulão e maguari
Jaçanã, Tuim, Beija flor e Saí
Bico-chato-de-orelha-preta
Biguá e  bem-te-vi
Talhamar , Xexéu, Sacua, Siriri
Pica-pau , Mão da lua, Savacu e Sanhaçu
.
Tinha boa memoria, gostava de lembrar
O nome das belezas da natureza do seu lugar
Ele mesmo não tinha nome
E por ser magro e nanico,
Chamaram o menino
De zézinho tico-tico
Não tinha outro nome
Então ficou assim mesmo
Brincando na estrada,
Andando a esmo
Sonhar enquanto trabalhava a enxada
Era seu jeito de espantar o medo

Não tinha chinelo de dedo
Mas ia pra escola sem ninguém mandar
Achava ruim bronca de professora
Sem saber o que o futuro iria guardar,
Até que o menino sem pai nem mãe
Foi de vez pra roça trabalhar
Acabou-se a brincadeira nessa vida sofrida

Ele trabalhava pra ganhar
Um  prato de comida
E um teto pra dormir
Com um buraco pra ver as estrelas
Depois que a noite cair.

Um dia sozinho, andando no mato
Muito cansado pelo dia de trabalho
O menino viu uma dona de preto
E como menino, se viu sozinho e com medo
A dona morte se aproximou
E de espreita ao menino perguntou:

“Ainda não está cansado da vida?
Trabalha, trabalha e quase não tem comida!
O que o mundo tem pra te dar
Se é sozinho sem família e sem lar?
Achei boa hora vir te buscar
Anda, conhecer o lado de lá”

O menino pensou bastante
Não sabia por que vivia,
Porque ir adiante? Se nada de bom acontecia?
Mas então lembrou do céu de estrelas
No buraco em cima da cama
Tinha coisa mais bonita
Do que o céu que a gente ama?

“Dona morte eu não quero
Tem alguém a me esperar
As estrelas em cima da minha cama
Que eu tenho que espiar
E de dia tem os passarinhos e as belezura do sertão
A gente pensa que tá ruim
E depois que olha fica bão


A vida eu vô levando
Acho que tá meio cedo pra eu morre
Quero ver mais um pouquinho
As estrelas e o sol nascer
Tudo tem sido ruim
Mas eu sei que vai miora
Até já me disse um conselheiro
Que o sertão vai virar mar

Parece que hoje em dia
Tá mais pro mar virá sertão
E eu nem sei como ajudar
No meio dessa confusão
Só lhe peço dona morte
Não me leve agora não

Eu ainda tenho que namorar
As estrelas do sertão
Te peço de coração
pois minha vida tem valor
Que ver eu lhe provar?
Posso lhe dizer com amor
As beleza desse lugar”

E o menino pois se a falar
Do pé de laranjeira boa de chupar
Falou do buriti do caju e do sapoti
Do pequi do bacuri do umbu e do oiti
Falou da fruta pão, da manga, do cajá

E também do caju, fruta boa pra amarra

Falou da cana caiana
e da mandioca que dá farinhada
do milho do arroz e da fava
Dos coqueiros e das palmeiras
Onde a sabiá cantava

Contou do babacá e da carnaúba
Do tucum preto e da macaúba
Do voo do bem-te-vi
Que descansa e cantarola
Na palha do miriti
Ao som de sanfona e viola

O menino explicou pra morte
Que tinha muito pra aproveitar

E que nessa terra  tinha sim 
Uma família para cuidar
E que estava ameaçada
Precisando dele com certeza

Pois sua mãe de verdade era mãe natureza
Que muito tinha o ajudado
Até a mostrar pra Dona Morte
As belezas desse seu lado
“Te peço não me leve embora Dona Morte
Pois amanhã cedo tenho que estar acordado!”

Dona morte foi-se embora
Pois descobriu o menino apaixonado
Pelas riquezas da natureza
E pelas belezas do seu estado
E hoje ele agradece por ser nordestino
E viver seu destino, nesse chão abençoado



Essa foi minha narrativa
De vocês eu me despeço
Como a mensagem positiva
De um menino muito esperto
Espero que a gente
Sempre possa valorizar

O privilégio que é a vida
Amando e cuidando do nosso lugar






domingo, 11 de janeiro de 2015

Caio, Luciana, João e Neide.


A rua Cruzeiro é uma rua pobre, mas não muito pobre, pois fica ainda na região central da cidade. A rua Cruzeiro tem muitas árvores, mas ainda assim é uma rua feia, antiga e suja. Tem muitos gatos que miam noite adentro em tempos de cio.

Uma das esquinas da rua Cruzeiro é uma rua chamada rua do Bosque.

A rua do Bosque é bem grande, muito comprida, suja e quebrada. Entre as casas feias e pobres e entre a gente feia e pobre da rua do Bosque estão Seu João e sua casa.

Seu João tem 85 anos e vive só. Sua casa tem 65 anos. A casa do Seu João está na rua do Bosque no mesmo quarteirão da rua Cruzeiro.

Na rua Cruzeiro tem uma pequena vila, na qual se entra por uma pequena rua chamada antigamente de travessa Sardenha (há uma placa vermelha da prefeitura com esse nome grafado), porém hoje os correios ignoram esse nome, e a vila está simplesmente na rua Cruzeiro 231.

A vila de casas é muito pobre, úmida, com infiltrações e muitos gatos que miam toda noite quando estão no cio.  Ulisses foi o nome que o Caio escolheu para um gatinho que decidiu morar na sua casa e que o rapaz decidiu alimentar.

Caio tem 28 anos, ele mora com quatro pessoas e sabe o que não quer. Ele não quer outra namorada. Tudo seria mais fácil se ele não estivesse, de alguma forma, apaixonado por uma menina.

Uma menina de 17 anos chamada Luciana e que morava na Mooca,  um pouco longe, porém ela tinha muito afeto e familiaridade pela região da rua Cruzeiro porque ali ela caminhava com o Caio de noite para buscar o que jantar, fazer amor, ouvir os gatos derrubarem latas, pisar nos telhados, gemer quando estão no cio e dormir.

Havia um desencontro entre as vontades do casal, e muito choro e muitas palavras à toa em uma tarde de sábado. Luciana chorou o tempo todo. Caio só chorou sozinho no caminho de volta para rua Cruzeiro.

No dia seguinte Luciana almoçou com sua mãe e de repente quis largar meio prato de comida na mesa e foi para rua Cruzeiro, não sabia o que iria dizer, mas queria vê-lo, inventou uma desculpa, um objeto esquecido para entregar.

Quando ela chegou ele não estava, segundo alguém, ele tinha acabado de sair. Decidiu esperar. Enrolou um baseado. Rapazes se aproximaram, perguntaram quem ela era e o que fazia. Ofereceu maconha para eles, ficou contente que eles não aceitaram, explicou quem era e o que esperava, os rapazes pronunciaram alguns tipos de cantadas, mas respeitando mais ao Caio do que a Luciana, foram embora.

Então Seu João se aproximou, disse que ficaria ali com ela esperado Caio chegar, para protege-la dos caras perigosos da rua. Luciana ofereceu maconha, o velho recusou com muita convicção, disse nunca ter fumado disso dai na vida, só cigarro normal mesmo, esse sim ele gostava de fumar. Mas, curiosamente, mencionou que suas companheiras sempre fumaram, ele não gostava, mas elas fumavam.

Luciana perguntou quantas vezes ele foi casado, ele respondeu três.  Uma vez por  dois anos, uma por cinco e uma por onze.  Ela perguntou quantas vezes ele amou. Ele disse que gostou muito das três. Ela perguntou de qual ele gostou mais. Ele disse que da que ele ficou onze anos, que foi última e se chamava Neide.

Neide era passista de escola de Samba, Seu João quis dizer isso dando a entender que ela negra e gostosa, ele tentou encontrar diversas palavras para explicar isso, e Luciana entendeu, mas ele não usou nem a palavra negra e nem gostosa.

Neide trabalhava de noite, e Seu João fez questão de dizer que ele sabia. Com isso ele quis dizer que ela era prostituta, usou diversas palavras para tentar explicar isso, menos a palavra prostituta.  Eles nunca moraram juntos, ela tinha um apartamento onde atendia próximo à av. Brigadeiro com a av. Paulista, mas ela não dormia em sua casa, todas as madrugadas, por volta das cinco ou seis ela ia para casa do Seu João na rua Cruzeiro e eles dormiam juntos.

Isso era pouco porque ele acordava para trabalhar as oito. Ele perguntou pra Luciana se o namorado dela fumava maconha, ela disse que não, e que não eram namorados. Ele respondeu aaah sim, como se tivesse entendido tudo, disse que falou de serem namorados porque sempre via os dois juntos pela rua.

Luciana perguntou se ele costumava ver o Caio com outras meninas. Ele disse que não, nunca e isso encheu o coração dela de felicidade. Luciana perguntou se o velho não tinha ciúmes da Neide, e ele disse que não, nunca e que aquilo era besteira.

Luciana perguntou porque ele e a Neide estavam separados, mas ele não ouviu, ou fingiu que não ouviu e começou a contar que o que ele mais gostava era de passar o natal com ela, que Neide comprava tudo, vinho, peru, salada e ia para casa dele, então eles cozinhavam e podiam passar uma noite inteira juntos.

Luciana perguntou se ele sabia onde ela estava, se estava viva. Ele disse que não sabia, que talvez estivesse naquele apartamento da av. Brigadeiro com a Paulista, mas que não tinha vontade de saber. Seu João tinha cheiro forte de cigarro e de sujeira, e gostava de falar de perto, de falar devagar.

Depois de três horas esperando o Caio chegou. Luciana disse que só veio entregar uma coisa, ele se ofereceu para esperar o ônibus com ela na rua do Bosque. Seu João ficou observando de longe. Que bom que era domingo e o ônibus demoraria bastante.

Eles se abraçaram, choraram, Luciana contou tudo que o Seu João tinha dito, o ônibus passou várias vezes, e eles ficaram de pé abraçados até o último passar. Caio convidou a Luciana para entrar, mas ela não queria repetir a rotina. Se beijaram muitas vezes, tiveram dor nas pernas, nas costas, mas continuaram ali, em pé juntos e parecia muito difícil se separar.

Acho que até hoje depois de tanto tempo, eles nunca se soltaram de vez.  A rua Cruzeiro deixou de fazer parte da vida deles alguns meses depois de janeiro do ano em que tudo isso aconteceu, Luciana e Caio foram morar juntos do outro lado do trilho do trem, na Barra Funda.  Mas atualmente não vivem mais juntos e não são namorados


E sobre a Neide e o Seu João, eu não sei, talvez isso sirva para mostrar alguma coisa pra gente, que eu ainda não consigo ( ou talvez não queira)  dizer.