quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Autocensura

quando sinto que ando escrevendo literatura adulta demais para o meu pai.

Microconto sobre a maternidade ou da complexidade de ser menina ou da complexidade de criar meninas.

Maria decidiu que gostaria de ter uma filha menina quando imaginou-se com um menino ouvindo sua mãe dizer que pra Maria tudo foi mais fácil.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Microconto estúpido

Isso que eu chamo de gostar e que você chama de loucura me fez ver de novo cor nos dias.
Se você for embora e eu terminar como uma criança que deixa o sorvete cair antes de dar uma segunda lambida, talvez os dias voltem a ter cor de calçada, ou talvez eu nunca esqueça que viver pode ser uma coisa maravilhosa e viva o resto dos dias com gosto de sorvete de fruta.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Gabi

Aos dez anos eu tinha uma melhor amiga, e mesmo eu sendo uma menina de cabelos curtos e tênis de menino, eu tinha uma melhor amiga bacana. Ela tinha cabelos castanhos e longos e as unhas grandes e bem feitas, sua mãe pintava-as com florezinhas,  seu nome era Gabi.
 
A professora costumava mostrar o caderno dela, bonito e organizado, para a turma, dizendo como nossos cadernos deveriam ser. Eu me esforçava muito para ter um caderno como dela, e sonhava com o momento em que a professora usaria meu caderno de exemplo, mas esse dia nunca chegou e até hoje eu não sei escrever de letra de mão.
 
Eu disse que a Gabi era bacana por alguns motivos: Ela era bonita, trazia de lanche sempre coisas gostosas, concordava com tudo que eu dissesse, todos queriam estar perto dela, e perto de mim quando eu estava com ela, e nas aulas de dança (que fazíamos em uma academia na frente da escola, depois da aula) ela conseguia fazer tudo, tinha abertura de pernas zero e sabia fazer todas as outras coisas que provavelmente causariam uma distensão em qualquer cidadão.
 
Nossa aula de dança era às duas, almoçamos rápido e ficávamos na sala de dança, sozinhas, treinando e conversando enquanto não começava a aula.
 
Eu era péssima, das garotas da minha idade eu era a única que ainda não tinha abertura zero, porém a professora gostava muito de mim, dizia que eu era expressiva, desde que entrei nas aulas ela sempre me colocava para apresentar as coreografias na primeira fila com as garotas que dançavam melhor.
 
Com o tempo as meninas melhoraram muito na dança, e eu continuava um desastre, quando chegou o ponto de ser impossível que eu estivesse na primeira fila, os espetáculos de dança da academia viraram peças de teatro com dança, eu era sempre a vilã ou uma heroína corajosa, ainda ocupando a frente e o centro do palco, mas nunca era a boazinha, a bonita ou a pobre moça pobre...

As vezes me incomodava não ser a bonita da história, mas mesmo assim era legal, eu gostava porque geralmente nas aulas seguintes a apresentação as meninas me contavam que seus familiares me fizeram elogios. A mãe da Gabi gostava muito de mim, e pra melhorar ela trabalhava com meu pai, era um bom começo.

Um dia, eu sonhei que estávamos na sala de ensaio, a Gabi estava deitada, com as pernas totalmente abertas se alongando, e eu entrava no meio das suas pernas, encontrava seu rosto, e lhe dava um beijo na boca. As segundas e quartas seguintes ao sonho foram momentos de extrema inquietude, eu ficava nervosa do lado dela, não durante as aulas da escola ou da academia, nas aulas havia outras pessoas, estaríamos em segurança, mas quando éramos só nós duas em nossos collants, eu não conseguia pensar em outra coisa senão me enfiar no meio das pernas dela e lhe dar o sonhado beijo.
 
E em algum dia, ela fez aquilo que sempre fazia, o alongamento deitada, e eu me enfiei ali, e a beijei, e ela me beijou. Eu sabia que ela já tinha beijado antes, e ela pensava que eu também já tinha. Ela me beijou pra valer, e me olhou depois, mas eu não consegui olhar pra ela, me afastei, deitei do lado dela, e disse olhando para o teto " Se você contar pra alguém, eu digo pra todo mundo que você que me beijou".
 
Falei aquilo mesmo sabendo que as pessoas acreditariam mais na Gabi do que em mim, mas ela não tinha certeza disso. Eu sentia, aos dez anos, que eu a controlava demais, ela nunca conseguia vencer uma discussão comigo, as vezes eu a convencia com argumentos que eu sabia que eram péssimos, mas ela tinha medo de algo em mim, algo que ela temia e admirava , talvez minha expressividade, ou meu jeito de conseguir falar o que penso...
 
A Gabi não deixou de ser minha amiga, depois do beijo, tudo voltou ao normal e eu não pensei mais nisso, eu continuei indo muito a casa dela, planejávamos o que faríamos no futuro, ter nossa própria academia de dança, eu tentava convence-la a ter a mesma opinião que eu sobre tudo, e gostávamos de conversar de madrugada por telefone escondido, estávamos juntas o tempo todo... Acho que ela ficava esperando que eu a atacasse novamente. Nunca aconteceu. Hoje, pensando em tudo isso eu fico vaidosa, será que ela era apaixonada por mim também? É impossível que ela fosse tão encantadora! Estava fazendo charme o tempo todo, me olhando de lado... Como eu e o meu beijo éramos ingênuos!
 
Eu mudei de bairro, paramos de nos falar aos poucos, e por esses dias tive notícias de que ela continuava dançando, com suas pernas abertas de collant, para o bem de todos e felicidade geral da nação.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Carta à amante

Da próxima vez leve tudo que é seu, ou que acha que é seu, pra fora da minha casa.

sábado, 2 de novembro de 2013

Um prédio de kitnets é um antro de pessoas estranhas, nós mesmos éramos um casal incomum, eu tinha certeza. Muitas vezes eu passava pela recepção de olhos vermelhos, com o rosto inchado, de óculos escuros e sentia que as pessoas por mais que me olhassem daquele jeito nunca poderiam entender porque sou triste. Aquelas pessoas que estão sempre na recepção jamais entenderiam por que você sai tarde e volta de madrugada ou de manhã, ou porque as vezes você sai tarde e não volta e saio louca pelas manhãs. Eu estou indo comprar um cartão telefônico, pra saber na casa de que vaca você dormiu, ou se dormiu na rua. Foda-se, não importa, todos os vizinhos são estranhos,a ma dupla de modelos anoréxicas, uma dúzia de bêbados solitários que falam sozinhos, uma porção de velhos aposentados e abandonados com cachorros fedidos, peludos, barulhentos e mal lavados, adolescentes sem família, que saem do interior por causa daquela velha história, um cantor sertanejo que faz shows com gerador na praça da sé, casais com mulheres com cara de estéreis e no apartamento 109, nós. O apartamento 109 que se tivesse portas seria de portas batendo, mas não tem porra de porta nenhuma. Apartamento 109 de barulhos e gritos e choro e soluços e muita música, advertências e multas de a gente fazendo as pazes tocando piano e violão cigano nas madrugadas que você não sai pra tocar em bar, em praça, na rua, no metro, na puta que o pariu. Gritamos um com o outro, você diz que não toca mais em mim, eu digo que já percebi que você não quer mais me tocar, você começa a bater nos móveis e fazer barulho para por os sapatos e pegar sua chave, eu pergunto onde você vai, você demora e diz com a voz tremulando que vai comprar pão. Eu me escondo em baixo da cama, você volta com pão e bolo, me pega no colo e me senta no meu troninho, eu te olho doce, e nessa casa não tem portas, da pra se ver de qualquer cômodo, e nossa vida é assim, eu olhando por você e você olhando por mim, eu olhando pra você e você olhando pra mim, percebendo que eu perdi minhas coisas, estendendo minhas calcinhas, desligando as bocas do fogão que eu esqueço vazando gás,  lavando minha louça, me cobrindo de noite, com muito carinho. Eu fazendo seu café, levando sua escova de dente no box, com mais pasta do que você colocaria, eu comprando o sabonete que você gosta, mas nunca compra sempre que falta, eu tirando o lixo, que você sempre esperaria encher até o máximo e ficar difícil pra fechar. As vezes eu também te cubro de noite com muito carinho, arrumo a posição do seu braço pra não doer, ou te acordo pra dizer, amor, deita direito. Te chamo de Pai, você me chama de Bebê, te chamo de amor e você me faz lembrar de todos os momentos que já senti algum amor na vida, me beija, me cuida e eu quero sempre mais, e choro, e você sofre, quando me acalmo você começa a gritar, dizer que vou te enlouquecer, eu choro, você chora, caímos no sono, mas antes disso nos abraçamos e nos enchemos de carinho, eu não sei mais viver sem você. Você não fica bem sem mim, eu sei, quando eu não estou ou quando você não está fica esse clima assim no ar.