segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Feliz Ano Novo III

Do que são feitos os sonhos? eu não sei.

Também não sei no que você pensa antes de dormir...

Eu sei que nós somos feitos de alguma coisa incomum,
talvez o sonho.

Feliz ano novo, meu pai.

Eu as vezes não sei porque continuo escrevendo.
acho que é pelo mesmo motivo que os anos continuam passando.

Porque eu continuo sem certeza sobre nada,
exceto que com o passar do tempo 
fico mais acostumada com o meu rosto no espelho

e mais assustada com seus traços envelhecendo.
com as veias dos olhos mais vermelhas...

eu lembro de mim dizendo que meu pai não tinha cabelo branco...

Hoje eu ando pelas ruas onde eu cresci (eu estou tão diferente!)
e penso em como você se sente andando pelas estradas onde cresceu...

Feliz ano novo, 

eu nunca mais vou andar por onde a gente morava como eu andava,
eu estou tão diferente.

exceto pelo fato de ainda não ter publicado um livro.

Eu também sou um pouco tradicional....

Feliz Ano Novo,

e se com o tempo sobrar algo do sonho 
a herança é meu direito e eu vou exigir minha parte.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lulucita


Lulucita era uma menina que passava pelos dias muito cansada. Isso acontecia porque ela  tinha medo de dormir, na verdade, coitada, o medo dela nem era de dormir e sim  de acordar com a cama molhada.

Ela molhava o pijama e deixava uma mancha amarela no lençol, tem vergonha maior para um cidadão que seu colchão secando no sol? Falando claramente o problema dela era xixi na cama.

E foi em um dia desses de colchão secando no sol que a “melhor amiga” da Lulu, a Aninha, encontrou com ela no caminho da escola:

– Lulu, eu passei em frente a sua casa... Por que o seu colchão estava de pé no quintal?

– O meu...? Aninha... Isso nunca aconteceu com você?

–Isso o que?

–Assim, da sua mãezinha ter que por seu colchão pra secar?

– Porque eu derrubei suco?

- Não é bem isso....

Lulu viu os olhos de Aninha se arregalarem, ela tinha entendido tudo e deixou escapar um grito:

– Você fez xixi na cama igual bebe!! A Lulu faz xixi na cama igual bebe!

Aninha foi pra escola correndo e espalhando  a novidade, Lulu pensou em ir atrás mas ela não conseguiria evitar a tragédia.

Quando Lulu chegou na escola e entrou na sala  de aula, sentou-se na sua cadeira, que era uma das primeiras,  e  já começou a ouvir as vozes do fundo as sala:

– Mijona! Mijona! Mijona!

Ela viu as amiguinhas afastando as mochilas e o material de perto dela.  A professora não entendeu e perguntou o que estava acontecendo, então surgiu um grito do fundo da sala:
– A lulu ainda faz xixi na cama igual bebê!

O riso foi geral. Lulu ficou nervosa, saiu correndo da sala, mas quando chegou ao banheiro, já não adiantava, a calça estava de novo molhada...  Sua mãe teve que buscá-la na escola e quem foi recolher seu material foi a inspetora de alunos.

De noite o medo de dormir não era nem de cuca ou de bicho papão. A mãe dela foi ao quarto tentar acalmá-la:

– Lulu, fique tranquila, não é porque aconteceu uma vez, que vai acontecer sempre...

– Mamãe, desculpe fazer você ter que ir me buscar na escola!

– Fique tranquila minha filha! Irei todas as vezes que você se mijar, boa noite!

A mãe da Lulu não era muito delicada, mas tinha um bom coração.  Para a mãe não se preocupar mais Lulu  fingiu que dormiu, mas na verdade estava acordada, com medo do xixi vir.

 Deu meia noite, da janela uma escuridão, então ela decidiu sentar, morrendo de sono com os olhos querendo fechar, já estava enxergando embaçado, quando sentiu que perdeu o controle, ouviu muitos sinos, sinos e mais sinos, caiu no sono e começou a sonhar, era tudo muito colorido, com muito azul e som de água, na sua frente apareceu uma fada. Que lhe disse:

– Lulu, você tem tido problemas pra fazer xixi?

– Como você sabe? Aninha te contou?

– Não Lulu, Aninha não me conhece, eu sou uma fada que só aparece para boas meninas, veja bem, eu vou te ajudar, você quer não fazer mais xixi na cama?

– Sim! Mais do que tudo no mundo!

– Então vamos analisar seu caso: Quantas vezes você vai ao banheiro antes de dormir?

– Uma... Duas vezes quando eu como melancia!

– Você pode tomar muito líquido, ou comer bastante melancia, mas prefira fazer isso durante o dia! E não se esqueça de antes de dormir fazer aquele xixi! Feche os olhos e escute sua respiração, respire e inspire devagar, acredite, vai te ajudar a se acalmar, se precisar cante essa canção:


Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém

Porque aprendi que era errado
Agora me dá vergonha,
de engolir chiclete,
ou dormir e babar na fronha
Dá vergonha!

Ter saudade dos brinquedos antigos
de chupar chupeta escondido.
Não conte nunca pra ninguém,
mas eu gosto daquele menino,
e se tá frio de mais,
eu durmo encolhido,
entre os meus pais.

Promete que não conta,
que chorei de medo de bruxa,
bicho papão, homem do saco,
de vampiro e da cuca!

Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém

Mãe, não conte pros meus amigos que eu me perdi na praia
Pai, não conte pros meus primos que fiz xixi na cama
Professora, não conte pra minha mãe que não fiz a lição
Maria, não conte para o Pedro que gosto do João!
Será que alguém já me viu,
roubar bala do pote, ou colocando o dedo no nariz?

Tem coisa que a gente faz, que quem olha pra gente
não diz! Mas,

Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém!

E ao final daquela canção, Lulu disse ansiosa:

–  A música é linda, senhora fada, mas como eu faço pra ir pra escola, os meninos não vão me deixar em paz, ficam me chamando de mijona!

– Isso você deixa comigo!

Quando lulu foi pra escola no dia seguinte, alguns tentaram mexer com ela, só a aninha que não. Quando a Marina chegou ela contou pra toda turma:

 - Gente, passei em frente da casa da aninha, e imagina! O colchão dela estava em pé secando no sol! Ela também fez xixi na cama!

A professora não gostou da conversa, explicou que as crianças não deveriam rir dos segredos dos outros, porque essas coisas podem acontecer com qualquer um, e se não é xixi na cama a pessoa é outro segredo, afinal segredo é algo que...


Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Autocensura

quando sinto que ando escrevendo literatura adulta demais para o meu pai.

Microconto sobre a maternidade ou da complexidade de ser menina ou da complexidade de criar meninas.

Maria decidiu que gostaria de ter uma filha menina quando imaginou-se com um menino ouvindo sua mãe dizer que pra Maria tudo foi mais fácil.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Microconto estúpido

Isso que eu chamo de gostar e que você chama de loucura me fez ver de novo cor nos dias.
Se você for embora e eu terminar como uma criança que deixa o sorvete cair antes de dar uma segunda lambida, talvez os dias voltem a ter cor de calçada, ou talvez eu nunca esqueça que viver pode ser uma coisa maravilhosa e viva o resto dos dias com gosto de sorvete de fruta.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Gabi

Aos dez anos eu tinha uma melhor amiga, e mesmo eu sendo uma menina de cabelos curtos e tênis de menino, eu tinha uma melhor amiga bacana. Ela tinha cabelos castanhos e longos e as unhas grandes e bem feitas, sua mãe pintava-as com florezinhas,  seu nome era Gabi.
 
A professora costumava mostrar o caderno dela, bonito e organizado, para a turma, dizendo como nossos cadernos deveriam ser. Eu me esforçava muito para ter um caderno como dela, e sonhava com o momento em que a professora usaria meu caderno de exemplo, mas esse dia nunca chegou e até hoje eu não sei escrever de letra de mão.
 
Eu disse que a Gabi era bacana por alguns motivos: Ela era bonita, trazia de lanche sempre coisas gostosas, concordava com tudo que eu dissesse, todos queriam estar perto dela, e perto de mim quando eu estava com ela, e nas aulas de dança (que fazíamos em uma academia na frente da escola, depois da aula) ela conseguia fazer tudo, tinha abertura de pernas zero e sabia fazer todas as outras coisas que provavelmente causariam uma distensão em qualquer cidadão.
 
Nossa aula de dança era às duas, almoçamos rápido e ficávamos na sala de dança, sozinhas, treinando e conversando enquanto não começava a aula.
 
Eu era péssima, das garotas da minha idade eu era a única que ainda não tinha abertura zero, porém a professora gostava muito de mim, dizia que eu era expressiva, desde que entrei nas aulas ela sempre me colocava para apresentar as coreografias na primeira fila com as garotas que dançavam melhor.
 
Com o tempo as meninas melhoraram muito na dança, e eu continuava um desastre, quando chegou o ponto de ser impossível que eu estivesse na primeira fila, os espetáculos de dança da academia viraram peças de teatro com dança, eu era sempre a vilã ou uma heroína corajosa, ainda ocupando a frente e o centro do palco, mas nunca era a boazinha, a bonita ou a pobre moça pobre...

As vezes me incomodava não ser a bonita da história, mas mesmo assim era legal, eu gostava porque geralmente nas aulas seguintes a apresentação as meninas me contavam que seus familiares me fizeram elogios. A mãe da Gabi gostava muito de mim, e pra melhorar ela trabalhava com meu pai, era um bom começo.

Um dia, eu sonhei que estávamos na sala de ensaio, a Gabi estava deitada, com as pernas totalmente abertas se alongando, e eu entrava no meio das suas pernas, encontrava seu rosto, e lhe dava um beijo na boca. As segundas e quartas seguintes ao sonho foram momentos de extrema inquietude, eu ficava nervosa do lado dela, não durante as aulas da escola ou da academia, nas aulas havia outras pessoas, estaríamos em segurança, mas quando éramos só nós duas em nossos collants, eu não conseguia pensar em outra coisa senão me enfiar no meio das pernas dela e lhe dar o sonhado beijo.
 
E em algum dia, ela fez aquilo que sempre fazia, o alongamento deitada, e eu me enfiei ali, e a beijei, e ela me beijou. Eu sabia que ela já tinha beijado antes, e ela pensava que eu também já tinha. Ela me beijou pra valer, e me olhou depois, mas eu não consegui olhar pra ela, me afastei, deitei do lado dela, e disse olhando para o teto " Se você contar pra alguém, eu digo pra todo mundo que você que me beijou".
 
Falei aquilo mesmo sabendo que as pessoas acreditariam mais na Gabi do que em mim, mas ela não tinha certeza disso. Eu sentia, aos dez anos, que eu a controlava demais, ela nunca conseguia vencer uma discussão comigo, as vezes eu a convencia com argumentos que eu sabia que eram péssimos, mas ela tinha medo de algo em mim, algo que ela temia e admirava , talvez minha expressividade, ou meu jeito de conseguir falar o que penso...
 
A Gabi não deixou de ser minha amiga, depois do beijo, tudo voltou ao normal e eu não pensei mais nisso, eu continuei indo muito a casa dela, planejávamos o que faríamos no futuro, ter nossa própria academia de dança, eu tentava convence-la a ter a mesma opinião que eu sobre tudo, e gostávamos de conversar de madrugada por telefone escondido, estávamos juntas o tempo todo... Acho que ela ficava esperando que eu a atacasse novamente. Nunca aconteceu. Hoje, pensando em tudo isso eu fico vaidosa, será que ela era apaixonada por mim também? É impossível que ela fosse tão encantadora! Estava fazendo charme o tempo todo, me olhando de lado... Como eu e o meu beijo éramos ingênuos!
 
Eu mudei de bairro, paramos de nos falar aos poucos, e por esses dias tive notícias de que ela continuava dançando, com suas pernas abertas de collant, para o bem de todos e felicidade geral da nação.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Carta à amante

Da próxima vez leve tudo que é seu, ou que acha que é seu, pra fora da minha casa.

sábado, 2 de novembro de 2013

Um prédio de kitnets é um antro de pessoas estranhas, nós mesmos éramos um casal incomum, eu tinha certeza. Muitas vezes eu passava pela recepção de olhos vermelhos, com o rosto inchado, de óculos escuros e sentia que as pessoas por mais que me olhassem daquele jeito nunca poderiam entender porque sou triste. Aquelas pessoas que estão sempre na recepção jamais entenderiam por que você sai tarde e volta de madrugada ou de manhã, ou porque as vezes você sai tarde e não volta e saio louca pelas manhãs. Eu estou indo comprar um cartão telefônico, pra saber na casa de que vaca você dormiu, ou se dormiu na rua. Foda-se, não importa, todos os vizinhos são estranhos,a ma dupla de modelos anoréxicas, uma dúzia de bêbados solitários que falam sozinhos, uma porção de velhos aposentados e abandonados com cachorros fedidos, peludos, barulhentos e mal lavados, adolescentes sem família, que saem do interior por causa daquela velha história, um cantor sertanejo que faz shows com gerador na praça da sé, casais com mulheres com cara de estéreis e no apartamento 109, nós. O apartamento 109 que se tivesse portas seria de portas batendo, mas não tem porra de porta nenhuma. Apartamento 109 de barulhos e gritos e choro e soluços e muita música, advertências e multas de a gente fazendo as pazes tocando piano e violão cigano nas madrugadas que você não sai pra tocar em bar, em praça, na rua, no metro, na puta que o pariu. Gritamos um com o outro, você diz que não toca mais em mim, eu digo que já percebi que você não quer mais me tocar, você começa a bater nos móveis e fazer barulho para por os sapatos e pegar sua chave, eu pergunto onde você vai, você demora e diz com a voz tremulando que vai comprar pão. Eu me escondo em baixo da cama, você volta com pão e bolo, me pega no colo e me senta no meu troninho, eu te olho doce, e nessa casa não tem portas, da pra se ver de qualquer cômodo, e nossa vida é assim, eu olhando por você e você olhando por mim, eu olhando pra você e você olhando pra mim, percebendo que eu perdi minhas coisas, estendendo minhas calcinhas, desligando as bocas do fogão que eu esqueço vazando gás,  lavando minha louça, me cobrindo de noite, com muito carinho. Eu fazendo seu café, levando sua escova de dente no box, com mais pasta do que você colocaria, eu comprando o sabonete que você gosta, mas nunca compra sempre que falta, eu tirando o lixo, que você sempre esperaria encher até o máximo e ficar difícil pra fechar. As vezes eu também te cubro de noite com muito carinho, arrumo a posição do seu braço pra não doer, ou te acordo pra dizer, amor, deita direito. Te chamo de Pai, você me chama de Bebê, te chamo de amor e você me faz lembrar de todos os momentos que já senti algum amor na vida, me beija, me cuida e eu quero sempre mais, e choro, e você sofre, quando me acalmo você começa a gritar, dizer que vou te enlouquecer, eu choro, você chora, caímos no sono, mas antes disso nos abraçamos e nos enchemos de carinho, eu não sei mais viver sem você. Você não fica bem sem mim, eu sei, quando eu não estou ou quando você não está fica esse clima assim no ar. 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Microconto dos meus pés descalços no parquinho de areia do Jardim Grimaldi

Achei que encontrei um fóssil, levei para escola, mas era cocô de gato ressecado.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Sobre coração, vinho, água e sal


meu melhor amigo disse que viu seu grande amor
vomitar o coração de uma vez

eu decidi que era hora de abrir mais um vinho
mas na seleção automática do meu computador

uma música sua começou a me tocar
e eu senti saudade do jeito que você me olha

e senti uma alegria tão grande
que vomitei meu coração naquele instante

pra ficar mais leve

e te amar com os pés,
com o nariz e com a orelha

pra te amar com a minha língua
nas suas amígdalas

deu vontade de ir te esperar na porta
de correr pela rua pra te buscar.

amigo, abre esse vinho e uma bolacha de água e sal
vamos passar a noite falando de amor.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Essa canção é sobre um rato que fez um trato com um gato.

Mas acabou rompendo o combinado
e na triste pia de uma cozinha, morto
foi encontrado.

O gato e o rato eram amigos há muitos anos
estudaram ambos no Salesiano

Gostavam de juntos tocar piano
e se divertiam vendo tom e jerry

Mas junto com a formatura
veio aquela ideia de que vida continua

cada um seguiu um caminho
mas o destino não os tratou com o mesmo carinho

o gato arranjou uma família de humanos
e pobre rato arranjou só armadilha

Não era um hamster caucasiano
acabou entrando pelo cano

os pelos ficavam cada vez mais rasos
cada dia, dia pós dia o rato ficava mais magro

a noite fria, também da medo
pra quem nela leva vida

nos becos úmidos e escuros
tudo pode dar errado.

a comida estragada
não faz bem para barriga

e quando a esmola é boa
o ratinho desconfia

o rato era atleta desde o colegial
pensou no alpinismo social

para melhorar suas condições.
mandou um e-mail contando suas aflições

para o amigo gato, que ficou sensibilizado,
e verdadeiramente emocionado

e chamou o rato pra viver na casa da sua família de humanos,
desde que o rato não incomodasse o cotidiano

Só que a convivência foi dissolvendo com comodidade
o respeito e a gratidão de uma grande amizade,

O rato estava gordo como uma capivara
e o gato levando bronca por conta da comida cara

O queijo francês sobre a prataria
tinha mais buracos do que deveria.

entre os buraquinhos o gato reconheceu
a marca dos dentinhos de um amigo seu.

ficou indignado com tanta falsidade.

possuído por muita raiva, não avisou o rato sobre uma armadilha
no bolo de milho em cima da pia.

O rato com veneno na barriga se contorcia
como se conhecesse o amor.

Ele sofreu, jurou, pediu perdão e sentiu dor
como se conhecesse o amor.

O rato se dissolveu em lágrimas
delirou e filosofou, fez uma teoria sobre a cor do que sentia
como se conhecesse o amor.

O rato mordeu as unhas dos pés, desejou abrir-se e lavar as tripas
como se conhecesse o amor.

O rato rangeu os dentes, segurou a cabeça e sentiu pulsar as têmporas
como se conhecesse o amor.

O rato viu um feixe de luz, um clarão em sua direção.

Sentiu-se queimar por dentro, e viu o mundo girar de dentro de si.
foi ele que parou.

Como quem conhece a morte.

Foi feita uma nota, uma breve homenagem no jornal do Salesiano,

No caixão o ratinho espremido mostrava alguns pelos da barriga entre os botões da camisa.

Os presentes no funeral temiam uma explosão, seguida pelo voo de um botão

Como seria possível? Tão jovem e cheio de saúde e energia!

O gato foi ao velório, mas olhando de canto sorria.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Certa vez decidi brincar com meninos que vendiam amendoim

mas eu não era amiga deles,

me imitaram e encostaram a mão suja em mim

quando virei de costas, fizeram um comentário sobre a minha bunda.

Eu só queria ser amiga dos meninos que vendiam amendoim, mas depois disso me assaltou uma vontade de encher de soco a cara daqueles dois coisinhas sujas e rasgadas. 

ai depois fiquei triste, 

eu queria ser amiga deles, mas eu era menina...

O rapaz do administrativo

me disse, entre outros avisos:

-...  vê se esquecesse dessa história de ir morar dentro da baleia.

sem título

Era uma vez em um quarto, na verdade, era uma vez um quarto, onde dormiam seus olhos entreabertos... eu nunca entendi a verdade...

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um poema para uma gincana valendo 3 curingas para uma colecionadora! :)



Eu gosto dos mascarados,
dos músicos, dos circenses, dos animais,
dos palhaços que olham de lado,
ou que olham de cima para os outros iguais.

Das cartas que não servem,
na maior parte dos jogos de baralho,
Que são descartadas ou as vezes pintadas,
para substituir outras cartas.

Das cartas que seguram cartas na mão,
ou instrumentos de profissão.
Que usam fantasia,
e sorriem com malícia.

Elas não fazem parte do baralho de paciência
Nem do poker, da canastra ou do montinho,
do truco, do porquinho ou da tranca.
Se perdidas não assaltam a lembrança

Das cartas que podem ser esquecidas,
Que são sempre as mais bonitas,
Que podem ser levadas, dadas,
Não sendo de ouro nem de espadas,

Que são, por mim,
as vezes roubadas,
para o próprio bem.

Eu ganhei três cartas marginais
Elas não fazem parte,
não jogam em naipes ou em grupos, são ilegais.
Ilegítimas e sem documento,
sem clube, horóscopo, time de futebol ou departamento.

Eu ganhei três cartas que tem a cor vermelha
E provavelmente o mesmo fabricante,
O mesmo verso, mas são extremamente individuais.
(Até os curingas que vem em pares, dificilmente são iguais).

Minhas cartas nunca estarão tristes,
no máximo ariscas ou de prontidão.
E quando fazem parte de algum jogo,
se dão bem em qualquer roda,
se misturam aos de Paus ou de Copas,

E continuam sendo quem são:
mascarados, músicos, circenses, animais,
palhaços que olham de lado,

Ou que olham de cima para os outros
em seus naipes, nos seus clubes, ou em seus grupos

de iguais.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Luiz não combinou com os russos - Cap.3 Uma máquina que dizem apitar como coração mas na verdade apita como máquina.


Não tinha lembranças de sua avó em pé, certa vez quando mais novo entrou no quarto da avó e descobriu as pernas dela, mas para sua decepção eram normais... Então porque ela não se levanta? Vovó está sempre dormindo com a porta do quarto aberta, a cama e a máquina de frente para porta...

As pessoas comuns precisam comer para viver, mas vovó vive ligada na tomada, talvez seja por isso que ela só dorme. As vezes as pessoas falam da avó como se ela estivesse morta “foi uma grande mulher”, “ela era muito difícil”, “ela era muito inteligente”. Mas vovô diz que ela, mesmo dormindo pode escutar. Quando ele vai conversar com ela, fecha a porta, todos ficam curiosos, mas ninguém nunca se esforçou pra ouvir, medo de ficar triste.

Luiz acordou da primeira noite dos próximos longos meses na casa dos seus avós ainda com sentimentos tristes e a estranha sensação de enforcamento que o fazia perder a força para falar. Antes que ele descesse as escadas seu avô lhe chamou em seu quarto.

O avô perguntou se Luiz sabia ler bem. Luiz fez que sim com a cabeça e vovô pôs-se a falar-lhe:

-Luiz, você sabe que sua avó escuta tudo que dizemos a ela, não sabe?

Fez que sim com a cabeça.

-Pois bem garoto, você poderia me perguntar como sei disso com certeza, não poderia? Você poderia duvidar de seu avô, mas eu posso lhe provar que sua vó esta mais viva do que todos nós, e mais viva do que muitos pensam.

Luiz percebia seu avô preocupado.

-Ontem à noite conversei com ela que você passaria alguns dias aqui, seu pai me ajudava muito com sua avó, mas seu pai agora está viajando, eu e ela precisamos de você. Vem comigo.

O avô levou Luiz até o quarto da avó, ambos pediram licença para entrar, o avô abriu um grande armário, nele havia vários livros. Vovô pediu para que Luiz escolhesse um e começasse a ler apenas para si mesmo, depois lesse a mesma parte para sua avó.

Conforme Luiz ia lendo para ela a história ia se transformando, as letras no livro reescreviam-se, ele viu aparecer uma outra senhora, dona Maria, na casa de Jean valJean. Luiz fechou o livro rápido e assustado, nesse mesmo instante as pálpebras da sua avó se mexeram muito sutilmente contraindo-se e relaxando em seguida, mas esse movimento pareceu durar horas diante dos olhos de Luiz e do Avô, ver o pequeno movimento da avó foi como ver aquela casa toda indo ao chão e virando pó.

Luiz sentiu que não conseguiria falar nunca mais, ficou com medo do avô brigar com ele por conta de sua reação assustada, ou por ter feito a avó o responder, mas o avô foi compreensivo.

Vô Bernardo abriu o livro que Luiz deixou cair no chão. A história era outra, em outras palavras.

-Sua avó merece viver, não podemos contar isso a ninguém, não podemos confiar este segredo a ninguém. (Silêncio) Luiz, eu não consigo mais ler, você precisa ajudar sua avó a viver suas histórias e esse vai ser nosso maior segredo.

Luiz, nunca tinha imaginado que toda vida é uma história, e também jamais tinha imaginado que a vida da sua avó, que parecia apenas reticências nas folhas em branco dos próximos dias, seria na verdade muitas histórias. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Luiz não combinou com os russos - Cap.2 Sem soltar as mãos.

(Alguns dias antes)

Mamãe lhe amassou o rosto, ele gostava disso, desse carinho exagerado, de sentir as bochechas quentes da mãe na sua... Mas naquele dia ela estava nervosa, Luiz sentia o coração dela bater forte durante o abraço, o pai também o abraçou.  Já perto da porta o pai deixou uma lágrima chorar dos olhos. Ninguém conseguiu dizer nada. Tudo tão rápido como algo que não pode estar certo. O avô o tomou pela mão, mas sem nenhuma ansiedade.

A mãe havia colocado em duas mochilas, roupas, brinquedos, objetos de higiene e materiais escolares, com as mãos tremendo de amor e medo. Luiz observava as mochilas no canto do sofá florido de rosas e margaridas, as malas lhe preocupavam o peito, sentiu o coração querer parar, tontura, enjoo, mas não se moveu, sentiu como se alguém lhe friccionasse a garganta, tentou falar e não conseguiu. Ressentimento. Olhos vazios. Desfocou as mochilas, mas seu avô percebeu a partir da direção de sua cabeça que estavam subindo sem levar as coisas, mandou Luiz pegar as malas,  mas ele não ouviu. Tempo. O avô engoliu seco, e disse de novo:

-Luiz, pega suas coisas pra a gente subir e dormir – E desta vez completou com as palavras mágicas -  vai dar boa noite para sua avó.


O tempo rasgava o avô por dentro, o micro tempo entre suas próprias palavras, entre elas e o Luiz, entre tudo que as palavras não poderiam explicar, e tudo que Luiz sentia sem poder entender consumiam o velho, fazendo seu sangue ferver. Tudo muito triste, a avó era sempre uma estratégia de convencimento, mas pela primeira vez Luiz entendeu seu avô, entendeu como a saudade maltrata o coração. Sem soltar as mãos, pegou uma das mochilas, vô Bernardo a outra e subiram para dar boa noite à vovó.  

Luiz não combinou com os russos - Cap.1 Tempos de corações gelados

Luiz cruzou a sala, seu avô trocava os canais da televisão, em  preto e branco e entre faíscas, os rostos dos artistas se revezavam dizendo pedaços de palavras que se completavam criando um idioma esquisito, “televisionês” pensou Luiz, e sorriu. Então  a mão do avô pousou lentamente o controle remoto no braço do sofá, entre aqueles rostos apareceu Garrincha, Luiz se aproximou.

 O sofá da casa dos avós era muito fofo e entre as almofadas tinha sempre alguma coisa, farelo de bolacha e cabelo era o arroz com feijão, mas de vez em quando tinha mola de caneta, clips, macarrão cru (que o avô gostava de comer), e das vezes que o Luiz tinha sorte, encontrava uma moeda.

O avô após repousar o controle, encostou a corcunda no sofá, apenas a parte mais protuberante das costas tocava o encosto florido de rosas e margaridas. Vovô estava com os olhos vidrados no jogador, um ídolo. Luiz se sentiu obrigado a olhar, parecia que aqueles olhos na televisão olhavam os seus. No meio de uma entrevista, Garrincha dizia rindo:

-Foi então que eu disse pra ele: Mas o senhor já combinou com os Russos?

Aquilo só poderia ser um sinal. Luiz sentiu medo. Pensou em contar para o avô, mas não conseguiu. Tinha medo de gente brava, o avô ficaria muito nervoso, Luiz sabia desde sempre que não deveria entrar ali. Não sabia o porquê, nem lembrava quando foi que disseram que não era permitido, mas ele sabia que não poderia. Ele não deveria nem saber onde aqueles livros estavam.

O velho trocou de canal, propaganda das lojas pernambucanas, elas não querem que a gente deixe o frio entrar.  Luiz pensou em não deixar o medo entrar dentro dele. Enquanto isso o avô de Luiz tinha medo de quem eles tivessem entrado na casa do seu filho na noite passada, estava ainda sem notícias. Tempos de corações gelados...


Luiz não combinou com os Russos, e já era tarde, ninguém poderia saber dos lugares onde ele esteve, aquela coleção de livros de capa vermelha e dourada deveria parecer escondida e empoeirada como sempre. Agora ele e o medo esperavam para ver o que seu atrevimento causaria na história, nas histórias e na sua própria história. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Eu só vim dizer que não acredito em você.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Todos os seus pijamas têm marcas da minha maquiagem e lágrimas.

Entre cada batida do meu coração
eu sinto um trem inteiro passar

rasgando a noite, entre uma e outra, o tempo imenso de quem espera sozinho o trem pra casa

tem um buraco que sai do meu umbigo para o vazio de mim, 
foi um soco que me dei,...

Eu sento na privada fechada e choro abraçando as pernas, porque o  banheiro é frio
depois escuto meu coração, e vejo o trem passar por cima de mim, em silêncio
e fico sentindo medo

Eu quero que você venha me buscar pra cama.
mas eu vou sentir culpa, eu vou me odiar.

E vou continuar entre as batidas do meu coração no vazio entre seus braços.

Todos os seus pijamas tem marcas da minha maquiagem e lágrimas.

Eu preciso de você, quando estou sozinha nunca reparo em passarinho cantando.

De manhã, você me beija, você está feliz e apaixonado, foi só um pesadelo.

Me leva pra escola e me acena de longe, até não conseguir me ver mais. Eu te amo.

Eu me sinto uma louca problemática

Sinto como se daqui algum tempo eu ainda vá me encontrar com Bukowski num balcão de bar ou padaria.

Eu sou mais uma louca do mundo, que quebra garrafas.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Canção para lulu dormir.


Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém

Porque aprendi que era errado
Agora me dá vergonha,
de engolir chiclete,
ou dormir e babar na fronha
Dá vergonha!
Ter saudade do cobertor e dos brinquedos antigos
de chupar chupeta escondido.
Não conte nunca pra ninguém,
mas eu gosto daquele menino,
e se tá frio de mais,
eu durmo encolhido,
entre os meus pais.

Promete que não conta,
que chorei de medo de bruxa,
bicho papão, homem do saco,
de vampiro e da cuca!

Mãe, não conte pros meus amigos que eu me perdi na praia
Pai, não conte pros meus primos que fiz xixi na cama
Professora, não conte pra minha mãe que não fiz a lição
Maria, não conte para o Pedro que gosto do João!

Será que alguém já me viu,
roubar bala do pote, ou colocando o dedo no nariz
Tem coisa que a gente faz, que quem olha pra gente
não diz! Mas,

Todo mundo tem
Até que finge que não, tem
Todo mundo tem segredo
E ai também tem medo
De ser descoberto por alguém!


sábado, 24 de agosto de 2013

Rosas são vermelhas, violetas são azuis.

Estou entre os dentes do medo.

Me sinto no meio.

Nas mãos,  o seio nu,

o peito aberto.

Rosas são vermelhas e violetas são azuis.

No meu peito aberto, as suas mãos.

"não me toca"

No meu seio de graça, me amassa.


De frente para o meu corpo que não vale nada no frio da sala,

no finito da nossa casa, você me olha longe do corredor.

No meu peito pelado, de frente

atire ou beije,

ou beije depois atire,

ou atire e depois beije.

Rosas são...

Eu sai de casa para comprar  as flores do meu enterro

mas acabei comprando um patins.

escolhi um jeans azul, para um dia azul meio dia.

nem muito azul, nem cinza,

da janela branca,

das minhas horas vazias



Existe uma cor que se chama violeta...

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Eu vos declaro.


Você está com medo.

Ficou com medo quando disse que te amava em uma carta.

E quando disse pela primeira vez olhando nos seus olhos.

Ficou com medo quando te ameacei se não namorasse comigo.

E ficou com medo quando ameacei pela segunda vez ( Já que dá primeira não deu certo)

Você ficou com medo de dormir na minha casa muitos dias seguidos, e com medo de deixar algumas roupas aqui.

Ficou com medo de me apresentar pra sua mãe, e agora está com medo de novo.


Tudo indica que nós vamos nos casar. :)

Por todos eles

ao longo dos últimos 19 anos
estive tentando escrever poesias

as vezes elas que me tentam
e eu não posso, porque quero dormir,
ou mudar de assunto.

hoje é meu aniversário,
e o presente que eu ganhei
foi entender que eu não devo nunca mais
deixar um poema por escrever.

o verso que não escrevi me assombrou os dias
até eu vomitar uma briga.

hoje é meu aniversário
e eu estou aceitando um presente que já antes tinha tentado me dar:

esquecer.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Despedida xadrez


Saí de um grande amor
Com o peito ardendo
Não está mais doendo

As cicatrizes,  sob  a camisa que você mais gostava
Não dá  pra ver.
Só eu sei,

Meus amigos riem, cantam as minhas músicas,
Mas eles não sabem do meu peito,
Não sabem do desenho dos seus dedos.
No meu rosto, por alguns dias.
Ninguém te viu ir embora.
Só as ruas de perto da minha casa.

Eu saí de um grande amor
E quem me vê não imagina
O quanto sua ida
Me revira  vida

Por de traz do violão
Atrás dessa camisa,
Que você não me deixava esquecer
Que era minha camisa mais bonita,

Por baixo dessa camisa,
Meu peito não esquece que esteve apaixonado
E sempre que com ela saio
Ou que ela me vê, pendurada ou no armário
A camisa não evita
Sempre me lembra

Que você foi minha namorada mais bonita.

sábado, 3 de agosto de 2013

O quintal tem formigas.


Essa história que vou contar aconteceu comigo, mas não comigo que vocês estão vendo aqui, comigo há alguns anos atrás,  não importa exatamente quantos anos atrás, quando eu era criança suficiente pra lembrar e criança de menos pra as coisas que são de criança mas a criança não quer gostar, sabe? Eu tinha sete anos.

E em um dia dos meus sete anos minha mãe me disse que mudaríamos de casa, que não gostava mais do meu pai, que gostava de outra pessoa, e que essa pessoa gostava de fazenda, interior, matagal, fim de mundo, roça, pé na lama e tudo mais... E então todos nós agora iriamos para um qualquer  meio do mato sem cachorro, por que ainda por cima meu melhor amigo, o Bolota,  ficaria aqui em São Paulo com meu pai.

Eu gostava daqui, tinha muitos amigos, na escola e no condomínio, fazíamos as brincadeiras que toda criança gosta, corre cotia, corda, elástico, pega-pega, o mestre mandou, esconde-esconde e tinha ainda nossa brincadeira favorita, caverna em baixo da escada da minha casa... Tudo estava tudo bem, e porque agora aquela história de novo amor? De nova casa, quem seriam meus amigos? E em baixo de qual escada poderiam meus antigos amigos brincar de caverna?

Cheguei na casa nova de cara emburrada, não quis sair. Mamãe perguntou o que eu sentia, disse que era saudade, do meu pai, do bolota, e dos meus amigos, saudade de são Paulo, do movimento, dos barulhos.
Mamãe pediu para que eu ouvisse os barulhos daqui, que eu ouvisse o silêncio dentro da noite, que veria nela estrelas como nunca vi. Eu insisti que sentia saudades, ela me disse rindo “ E desde quando criança sabe o que é saudade?” Eu disse que sabia sim, e respondi “saudade é querer brincar com alguém e não poder”. Mamãe me mandou parar de pensar em besteiras, e sair pra ver o quintal, que andando por um caminho de terra encontraria um árvore que ninguém saberia dizer quantos anos ela teria.

Ela me contou que estudiosos até dos Estados Unidos já tinham vindo tentar estudar quanto tempo aquela árvore tinha, mas não conseguiram descobrir ao certo, talvez aquela arvore já tivesse visto dinossauros, ou Adão e Eva... Mas o mais legal é que ela era grande mesmo, enorme, maior do que os olhos da minha infância, maior do que o quadro que meus olhos poderiam enquadrar de muito longe, muito maior do que ela é hoje para os meus olhos ( e ainda é muito grande), maior do que um shopping, maior do que um campo de futebol, a árvore era um mundo inteiro.

Seu tronco era forte, crescia para cima, em muitos galhos, cheios de folhas, flores brancas e ninhos de pássaros. Bisbilhotei da janela, era sim muito bonita, olhei pra minha mãe, com os olhos ela disse que sim, e eu corri, atravessei a porta e corri, corri em direção a árvore, a árvore mais bonita que já tinha visto, e poderia apostar qualquer coisa, que era a  maior e mais bonita árvore do mundo.

Pensei em uma casa na árvore, pensei num balanço, ou em um cipó pra balançar, mas depois lembrei que não teria ninguém pra brincar de esconderijo, nem pra me empurrar do balanço, mamãe trabalha e acho que ela não gosta muito de brincar... Perdi a vontade de correr, e fui caminhando até a grande árvore.
Perto dela, eu mal poderia ver seu fim, era grande demais! Fiquei imaginando o infinito ali, enquanto pesquisava com os olhos entre suas folhas e galhos, esquilos, joaninhas, e flores redondinhas e bonitas.

De repente senti uma coceira no pé, que logo aumentou e começou a doer, ai, ai, ai, formigas, formigas vindas de toda parte, subindo pelas minhas pernas, eu pisei, pisei varias vezes sobre as formigas  tentei fazer com que elas parassem, mas percebi que sem querer eu tinha pisado na casinha delas, corri, subi na árvore, e subi, mais, mais e mais, subi tão alto, mas tão alto que quando parei e me lembrei de respirar, também lembrei de algo importante, mais que medo de formiga, de lobo mal, de bicho papão e de cuca, eu tenho medo de altura!

E agora? Mamãe estava longe, ia ter que espera ela sentir minha falta, para vir me procurar, não iria adiantar gritar, naquele meio de mato, fim de mundo de meu Deus, e agora? Me abracei na árvore, segurei firme e pedi pra que ela me ajudasse, quando eu senti que seus galhos se mexiam de modo que formaram uma cadeirinha bem certinha para eu sentar, do meu tamanho, e os galhos e folhas se abriram e num céu muito azul as nuvens começaram a desenhar um caminho. Parte de mim se levantou e eu segui.

Segui por aquele caminho desconhecido, e um menino estranho, com cabelos de algodão, me avisou que eu conheceria o reino das nuvens, perguntei pra ele “Eu morri? Eu cai e morri? Estou no Céu, no paraíso?” e o menino de cabelos de algodão respondeu “ Não, o paraíso é um assunto pra depois daqui, esse é só o reino das nuvens, mais um mundo imaginário, como de tantas outras historias.. Venha, vou te mostrar...”

“Sabe menina, o pessoal desse reino é muito louco! Veja o cachorro nuvem, ele fica de lugar em lugar tentando perceber se alguém o reparou ali... Ele e o coelhinho da lua são dois que eu não consigo entender... Já reparou? Que dentro da lua tem um coelho?”

Aquele menino era engraçado, cachorro na nuvem? Coelho na lua, que conversa era aquela? Ele me mostrou o lugar onde os meninos ali brincavam, de guerra de bolas de nuvem, de pula-pula, de escorregar em arco-íris, e brincamos o dia inteiro.

Quando começou a ficar escuro, os meninos foram embora, para o outro lado do mundo, onde seria ainda dia, eu quis ir, mas ouvi minha mãe me chamar. “ Filha, pelo amor de Deus, desce dai!”, eu respondi “ Não consigo mãe, tenho medo”. “ Vem filha, eu te seguro”, “Mas mãe, é muito alto!”. “ Vem minha filha, você consegue!”. Eu pulei e mamãe me segurou, voltamos pra casa, contei o que aconteceu e ela não acreditou, mas pelo menos ficou feliz que eu gostei da casa nova. Ainda sentia saudades, do meu pai que só vem as vezes, do Bolota e dos outros amigos. De vez em quando me lembrava deles, queria que eles também conhecessem o reino das nuvens.

Hoje, como minha mãe, não acredito mais que exista um reino das nuvens, talvez eu tenha imaginado todas aquelas tardes, mas isso não quer dizer que não fiz amigos, eu tinha feito fiz uma nova e grande melhor amiga: a árvore, maior e mais bonita do mundo, e eu nem preciso ver as outras pra dizer!



quarta-feira, 10 de julho de 2013

Microconto sobre medos e teimosias da melhor idade.

-Ela morreu sim de repente, mas não foram os oitenta anos, ela estava doente, eu não estou.
-Ela também não estava doente antes de estar doente...  

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Microconto para sentimentos de um (coração) ocupado.

(Para o Jornal SabIA - Edição Especial de Ocupação - Instituto de Artes da Unesp - 2013)
Estive ocupada demais para deixar de ocupar, sonhando muito para dormir, esperando por muito para esperar... Não sei se você sabe como é, hoje me vi olhando para frente.

Tico-Tico

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Naquele momento realizei que estava vivendo umas das coisas que mais gostei de viver.  Parecia que o som batendo entre as paredes da torre me fazia cócegas na barriga e no rosto.  Toquei aquele sino, tão alto, tão alto, tão forte e tantas vezes que ficou tudo borrado, o cenário inteiro. Da janela a lua era um feixe de luz branca em câmera lenta.  A noite, a cor do sino e  a cor das paredes eram sombras e contornos e estavam quase misturados, feito cores esperando serem homogeneizadas em um godê. 

Eu só sentia os braços do meu amigo anelarem minhas pernas, era como se eu não existisse senão seus braços me abraçando as calças cor de rosa.  Meu braço todo esticado empurrava o martelo como se minha vida dependesse disso. As badalas se misturavam a minha risada alta.

Olhava pra baixo e  encontrava os olhos do meu amigo,  ele inteiro sorria. Mais e mais, eu deixei todos os meus dentes rirem, sem parar de empurrar o martelo, vi meu corpo inteiro se contorcer  “me segura forte” nada no mundo me daria mais prazer do que aquele sino tocando tão alto do meu lado e confundindo tudo que minha cabeça pensava e poderia vir a pensar.

De repente meu amigo me pois no chão, estava tonta, me joguei no seu corpo, um abraço. Ainda ouvia o sino, ainda estávamos dando risada, estávamos embriagados.

 Fugimos enquanto seu lobo não vem. Deixamos a igreja ainda com pouco de febre, num trem pras estrelas.  Ai em seguida descobrimos que perdi vinte reais. Isso não foi legal, mas ainda sobrou êxtase pra terminar a noite em frente a uma paisagem cantando Cazuza e tocando violão, fizemos xixi juntos...  O céu de São Paulo as vezes é bonito...  

domingo, 2 de junho de 2013

Paráfrase

De repente, tudo que há é ideia.
De repente, uma linha no meu pensamento bifurca.
a esquerda o que quero.
a direita o que é.
De repente. A verdade é sonho.
projeto.
E toda culpa é alheia.
Não são meus devaneios perdendo o rumo novamente;
é apenas um inacesso periódico de lucidez.
Vem de súbito.
Morte súbita.


Insipirado em: Morte Súbita
minha casa será cheia de velas e flores, contornando as paredes por varias vezes..
se for preciso, vou assaltar cemitérios e igrejas, vou provocar todos os santos.

meu amor, vai ficar lindo.

02 de junho de 2013

Vomito o almoço;
Compro flores;
Digo que não vou porque estou doente;
Meus amigos sempre respondem: " de novo?"





obrigada por aqui.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Tecidaria

Seu rosto rosado é doce, da vontade de morder e beijar, de te beijar os cílios bondosos [...]

Você me beijou as mãos e deitou comigo em cima do mundo,
a gente já tinha derretido, e eu ouvia a valsa e barulho de sinos e chaves.

Será que a gente nasceu ou morreu?
Tem quem chame um orgasmo de pequena morte, sabe a euforia antes do fim?

Talvez morrer seja assim...


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Um cão andaLuz.

“T-t-t-t-t”, soava a língua nas costas dos dentes da japonesa vestida de segurança do metrô. Quase de quatro, correndo atrapalhada, patinando nas botas, meio de pé meio abaixada.

Atrás dela outros dois homens, andando quase correndo, chamando nomes e falando no radinho, além deles mais duas pessoas ou três sem hora certa pra chegar em lugar errado ou hora errada pra chegar em lugar certo ou vice-versa intermitente, gente sem o que fazer, que os acompanhavam na corrida, palpitando, é claro.

O perseguido, vagabundo, vinha correndo descendo as escadas, um meliante com certeza, ladrão de marmitas do meio fio e extorquidor de carinhos na barriga, corria, com a língua caindo da boca pela lateral direita, corria, se divertia, desvendando a plataforma do metrô, enquanto lhe estalavam os dedos e chamavam por totó. Três seguranças e não sei quantos curiosos pra pegar um vira lata solto pela estação da Luz.

Eu estava também de passagem, foi muito breve minha troca de olhares com o cachorro, não sei quanto tempo demoraram para pega-lo, não sei se ele se divertiu e roubou carinhos, ou se esteve em apuros com o rabo entre as patas, só entendi uma alegria imensa em correr por onde não se conhece, com plena consciência de que é lindão e ainda não sabe o que vai almoçar, e só.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

queria enfiar a língua nas suas amígdalas
queria você, para me tocar de perto.

de nós, eu não tenho nenhum retrato.
não tenho nenhuma carta, nenhum bilhete seu.
não tenho um desenho, e nem lembro de nenhuma música 
que você disse que fez pra mim,
mas fez porque estava triste.

de você eu só tenho uma florzinha, 
que você roubou na rua
também te roubei uma
mas tenho certeza que perdeu a sua

eu só tenho essa florzinha, 
e não quero olhar pra ela para não chorar...
você não gosta dos meus poemas,
sempre tenho que perguntar se você leu
o que achou, se gostou...
você não gosta de me ouvir dizer que te amo.

eu te amo, eu te amo, eu te amo.
mas estou tão cansada,
não acredito nas suas palavras
e não sei como vai ser quando eu te ver.
eu te amo, tanto. Mas ficou pesado demais pra mim
queria muito ter um retrato, meu e seu,
pra lembrar que a gente já foi feliz,
por que só lembro de a gente brigando?

estaria eu na foto de cara inchada?
olhos vermelhos?
nós já estivemos bem?

sábado, 4 de maio de 2013

Rivalidade entre Mulheres



Em um cumprimento a grávida ofereceu a mão,  Maria cuspiu-lhe, depois cuspiu nos seus olhos atônitos, que nada entendiam, só escorriam, baba e lágrimas,  pingando na enorme barriga.

Certa vez avó Maria no supermercado

-Mas a senhora quer tomates para que exatamente?

-Política.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Tô morrendo de sede do veneno antimonotonia.
Desafeto pelo afeto, estou afastada da lembrança boa
Esqueci de como antes de cada pequena morte vem a euforia

Só lembro de mim, chorando, só lembro de mim triste.
De boca seca, de, sob os botões,  peito apertado...  Tô com saudade...
Eu ainda gosto, eu ainda gosto de você... Acho que tem algo errado com o clima...


só pode ser a estação...



segunda-feira, 29 de abril de 2013

doze estrófes para o meu herói


Do meu heterônimo mais romântico, (aquele que faz arroz com couve flor, pra nós dois.)


Meu herói tem os olhos mais bondosos
que já viram meus olhos medrosos

E eu tenho tanto pra dar
E eu tenho tanto medo.

Meu herói toca guitarra
E tem calos em todos os dedos

Me esfrega os na cara
Faz carinho do seu jeito.

Meu herói tem cabelo grande
e gosto de acordar com eles na minha orelha
(ou fazendo cocegas no meu nariz!)

Fico feliz:  Quando me faz rir, falando besteira;
Gosto quando ele pede pra que eu cante;

Quando ele cozinha muito gostoso e eu duvido;
Quando está  certo e eu não acredito.

Meu herói mora de aluguel
Num quarto cheio dele.

Conserva na parede, ao lado da cama
uma gota de sangue do meu útero.
(o amor e seus acidentes de percurso...)

Ele me avisa quando não vejo que a lua está bonita
e me ensina astronomia avançada de menino do interior

Meu herói é contra o sistema,
é tão romantico e revoltado, com direito a sorriso de lado de anti--herói-garoto-problema!
(algo entre feris buller e um gatinho anarquista)

Meu herói é louco,
e eu também sou louca por ele...
eu ainda acho que vamos, senão mudar o mundo, nos salvar...





sexta-feira, 26 de abril de 2013

Era uma vez na noite de uma mãe que tinha muito medo de ET.


"Menino, seus olhos são muito curiosos, e eu também estou com medo. Mas você vai dormir, seu nariz vai parar de sangrar e você vai dormir,  não precisa acordar seu irmão, porque eu já tenho seus dois olhos assustados pra acalmar, seu nariz vai parar de sangrar, já percebeu que estou com medo? Então seja paciente e não me arregale os olhos."

-Olha pra cima
-Mãe..
-Shiu..  Pronto ó, já passou, não é nada, isso é normal...
-Se é...
-É sim...

"E feche os olhos, e dorme bem, eu vou ficar olhando, eu sei que você sempre esteve aqui, isso acontece com criança pequena, vou ficar aqui mais um pouco, mas não é por nada, só porque está sangrando seu nariz, e isso não é nada... "

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Amizade

é outono,
e as manhãs me enganam.

ao meio dia,
sempre estou melhor..

você e olhos amigos
entre música e fumaça,

eu gosto só de olhar
de ver como se revezam

os poros da pele,
os passos, compassos
o tempo, as despedidas,
o lugar...

lábios e palavras...
que bom é te ouvir cantar!

Marcondes,
adorei aquela canção do Itamar...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ainda sobre amor e desamor


Você diz coisas que me fazem pensar em mim meio dormindo meio acordada,
sem lugar no colchão,
sobre o lençol fugindo dos cantos
com frio, entre sonhos ruins e as coisas que não afastamos da cama para dormir

Você desvia os olhos quando quase estou acreditando
você me acorda com beijos, sol no rosto, as mãos pelo meu corpo
eu não entendo nada, mas seu pau está duro...
alguma boa idéia sobre o que fazer...

Te amo, te amo, sem entender se a noite passada ficou tudo bem.
eu estive entorpecida, não é cocaina,
mas parece que tomei um soco na cara,
foi o jeito que você me olhou?
as palavras que não disse?

me rola essa manhã,
me enrola a língua na tua,
vem, me chama pra me escutar cantar,
estamos fazendo um curso intensivo de carinho

vou te fazer entender, vou acreditar que é possível
enquanto te esfrego e me esfrego,
te chupo e te lambo,
organizo o que foi sonho e o que vivemos,
como eu bem quero...
o que eu desejo entre calafrios...

Você acaba comigo, você sabe me fazer...
sabe me deixar sua, e eu sempre caio...

Passeio nos pontos da sua pele que saltam,
eu sou uma mulher e seremos felizes.
eu amo te ver sorrir,
eu amo te ver gostando,
bom dia, eu não estou na minha casa, eu não estou na China
eu não estou de cara no chão, não estou na puta que o pariu
nem no endereço errado, eu não to fazendo merda...

Eu não tenho medo de nada,
é justo,
você acredita em mim também...
acho que é porque ainda não estamos acordados...
porque brigamos a noite passada?
minha cara ainda está inchada?
eu lembro que gosto de descobrir que não está mais bravo...

Eu ainda não sei bem se vou saber o que fazer com isso:
Você consegue me fazer mais feliz...


Inspirado em: a-mais-tola-carta-de-amor-ou-mais-tola-carta-de-desamor

segunda-feira, 22 de abril de 2013

microconto de fadas


Era uma vez, em uma terra onde os homens eram mais felizes, os urubus só rodeavam a carne podre....


boa noite


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A mais tola carta de amor, ou a mais tola carta de desamor.



São Paulo, 19/04 outro quase inverno.

Rasguei em pedaços tudo que queria dizer, já comecei e recomecei essa carta algumas vezes. Porque eu sei que de noite você vai me ligar, sei que logo vamos nos falar, estou ansiosa, mas tenho certeza que você  não dorme sem falar comigo, e não sei se por essa, ou por outra razão parecida, meus pensamentos se recusam a descansar. Poderia fechar os olhos, imaginar o que vou dizer, mas não dormir, o medo não dorme, eu também não durmo sem falar com você.

Não preciso escrever essa carta porque vamos conversar tudo isso, você vai voltar, sei que ainda vai voltar, por todos os nossos planos, pelos enganos... Você não me deixaria, pelo nosso tempo, por causa dos afetos, e do gosto por desafetos. Eu sei que o telefone vai tocar, você sabe que eu não estou dormindo, eu não estou dormindo, eu estou chorando escondida em baixo da cama, e as pessoas em casa não entendem nada, elas também estão assustadas, mas  fingindo não me ver, uma questão de elegância.

Estou um pouco cansada de não querer voltar pra casa porque estou com a cara inchada, estive chorando em lugares públicos, não tive força para me segurar no ônibus, uma freada entregou minha cara ao chão, a face direita, me deixei contra o fim, esperei o limite. Estava ali. “Machucou?”, “Você está bem?”. Estou machucada sim, é, está doendo, mas faz tempo, está doendo, mas é por dentro...

Eu estou decidia que não gosto mais de insuficiência como patamar, e que estou com muita vontade de me jogar da escada, antes de chegar no alto, faltou pouco, eu sei, mas não cheguei a tempo para minha vez, não sou eu o que você quer. E digo ‘o que’ com muita clareza, e não ‘quem’, por razões que se pode entender, certo?

Eu te amo, te amo muito, pensar em como nossos filhos cantariam bem me faz soluçar de chorar, mas meu rosto não pode ultrapassar o chão. É impossível para mim , sou eu ou isso, é o que se pensa quando tem que levantar do chão do ônibus, e eu tive que levantar.  Estava inerte mas não tanto a ponto de perder o ponto e ir parar no terminal Teotônio Vilela, é melhor saber da sua hora.

Suas palavras foram claras, ‘há um ano você só está fazendo merda’,’ você não mudou, as pessoas não mudam’. Chega então de sofrer, você não sabe perdoar, e amar, não era nunca precisar pedir desculpas? Eu estou cansada de tentar te convencer, eu já expliquei, desenhei, rimei, tirei a roupa e virei o cu para você me enfiar. Não, jamais será o bastante.

Te desejo, te amo, te adoro, e tudo isso se confunde, é as vezes quando te encontro os olhos, ou quando te sinto me beijar, quando segura minhas coxas e me faz gozar, quando te vejo, sincero, quando me abraça e dormimos num calor insuportável e acordo misturada na sua carne, encontrando meu corpo no meio do seu, a luz da janela para o quarto, os passarinhos do meu sonho de felicidade. Meu sonho é que pudéssemos superar tudo que machuca, está tão pra dentro da gente.

Quero amputar a dor do meu coração, tem como ficar só com a paixão? Só com a lembrança daquele beijo que me deu no seio? De lado, um dia que eu usava calcinha azul... Eu te amo, eu amo a gente junto, o seu jeito de fazer carinho me esfregando os calos, quando quer estar comigo de verdade, te amo, amo  te ouvir me tocar, sua música, seu coração... Porque tem sempre um pensamento ruim para assombrar nossa felicidade? Porque  não perde uma oportunidade de me machucar? Eu me arrependo de coisas que sei que não fiz por mal, que sei que não são erradas.. eu acho que não sei amar....

Eu queria dizer nessa carta que não quero mais, mas sei que você não vai deixar ficar por isso, sei que nunca me deixa terminar com você, e ainda sim n diz que me aceita, só me sustenta por um pouco mais tempo de pé, pra me bater mais, para brigar mais. Vamos brigar mais um pouco, você vai telefonar e eu vou chorar, eu vou soluçar, vou pensar em momentos felizes e vou desabar, vou te implorar pra esquecer meu passado e prometer que esqueço o teu, vou te implorar, vou te implorar para não brigar mais comigo...

Só estamos brigando outra vez... É só amor e desamor...

quinta-feira, 11 de abril de 2013

História sobre as histórias que escrevi e não escrevi.

Durante os últimos dias tentei escrever uma história. Dediquei algumas horas, Troquei por vezes de posição, diferentes canetas, comecei uma serie de textos, mas, por fim, deixava sempre sentimentos inseguros me dominarem as mãos e rasgarem rascunhos, amassarem ideias e  lá iam elas, em bolinhas, para o cesto de lixo.

A primeira foi sobre a parede à esquerda da minha cama, sobre como estou cheia de mim sobre ela. Também falava sobre minha irmã dormindo ao meu lado direito e as sombras e marcas deixadas nas paredes do quarto durante algumas noites de alguns anos dormindo ali. Sobre minha vontade de arrancar com as unhas todas as marcas de dedo na pintura, riscos de móveis antigos e sujeira, imprimindo linhas de sangue do meu dedo, como contas de dias para sair dali.

Outra história era sobre uma grávida que queria alugar a casa da minha avó para ser feliz. E eu odiei aquela mulher, que me ofereceu a mão e eu cuspi, depois cuspia nos seus olhos atônitos, que nada entendiam, só escorriam, baba e lágrimas, pingando na enorme, horrivelmente enorme barriga. Mas estou tão cheia de rivalidades entre mulheres que não quis continuar essa história, me desinteressei...

Como pensar sobre o amor é uma atividade, quase de obtenção de energia para vida, para minha vida, principiei alguns textos sobre a gente, ideia fixa...  Além do poema ruim que não considerei e o recado romântico no papel higiênico, queria usar dessa relação da gente pra escrever outra coisa: uma história. Mas somos tão felizes! Estou com um pouco de sede de sofrer... Minha história teria toda graça da desgraça...

Ela seria misteriosa, com acontecimentos inexplicáveis, inacessíveis à razão, maravilhosa, brilharia como olhos apaixonados, seria de beliscar o peito, aquele aperto familiar, angustia, como ver seu reflexo no espelho depois de fazer uma besteira. Mas acabei escrevendo sobre a vontade de dizer. Foi porque não sei dizer.

Foi por não saber dizer. Percebo está passando, elas estão indo. Sei tanto da minha vontade, mas não sei dizer. As histórias estão mais ou menos por ai, em papeis amassados e rasgados, em passados passados, que meus olhos viram e não registraram, que não tive palavras para dizer. Só seria história se eu dissesse? Ela não precisa de mim, não quanto eu preciso, e quero, sentir de novo o que senti quando a história era presente. Ah! Tudo isso é tanto! Ah! Se eu soubesse dizer!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Afirmação


Eu sou poeta
ou uma tentativa

sem muita certeza
nas palavras escritas

continuo escrevendo,
em letras, gestos e desenhos,

poesia
sobre
a vida

antes de alegre ou triste,
antes de suja ou limpa

antes de saber escrever,
eu já era poeta

antes de conhecer,
eu já amava,

belezinha que é
esse belisco no peito

essa vontade de dizer...

Eu sou Arturo Bandini
Eu sou uma poesia justa

Eu nunca vou sofrer
sempre será a arte,

sempre será a arte...

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Uma história que imaginei tentando abrir seu portão.


Essa história está rota, está com pó, com a textura dos papeis da década de 60 que costumava bisbilhotar da caixa azul na gaveta de meias do meu pai.  Mas adiante, que não faz muito tempo, adiantemos para outra parte.

Caio entrou no banho, foi dar-se o homem nu as águas  quando lembramos que não tínhamos sabonete. O Caio toma muito banho, sempre estamos sem sabonete. Eu disse pra ele ir tomando banho que eu iria comprar, pertinho de casa.

Depois de anunciar minha ida, me dirigi à porta, e lembrei-me de uma questão sensível: Não sei usar chaves. As vezes consigo, as vezes não, cresci sem trancar portas, tenho por habito, desde sempre, deixar quem quisesse entrar...

Sai de casa deixando dois portões abertos, para não ter problemas na volta. Sai e o caminho que sempre fazíamos juntos, agora se confundia entre os rabiscos das paredes do Bom Retiro, ou Barra Funda, ou Largo da Banana, onde eu estou? Cadê a torre da igreja de Santo Antônio?

Foi que vi um bar, com uma guitarra pendurada na parede, Perguntei: “Ela é do senhor? Você ainda pode tocar?”. Ele me mandou sentar, nada me ofereceu, começou, soou familiar, mas não, eu não conhecia, ou conhecia? Demorava em cada tema, e seus olhos, ou  alguns grunhidos me interrompiam se eu tentava perguntar-lhe algo. Ele insistia entre os dentes cerrados “ Ouve!”

Escondia o rosto por entre os cabelos, brancos, de talvez 90 anos, longos e enrolados, barba e bigodes de naufrago, nariz pontiagudo e corpo de quem passa fome, algum sotaque. O bar ocupava a esquina, mas não era muito maior que um banheiro, tinha uma prateleira só de temperos e por entre um milhão de objetos inúteis um cheiro muito forte, dele.

Uma mistura de cheiro de sabonete, de homem, de suor de homem, de praia, de comida temperada, de pele mole e de amaciante.  O melhor cheiro que já senti, cheiro de coisa boa pra lembrar, de gosto bom na boca, de boca molhada. Quase me deixou com tesão por um homem e seus noventa anos.

Levantei-me, antes que pudesse agir ou pensar qualquer resolução em palavras ou menos que isso dentro da minha cabeça, mais rápido que um raio, antes de possibilidade, antes que qualquer algo pudesse acontecer, logo que me levantei senti sua mão no meu braço, com força, a guitarra silenciou. “Fica aqui” Ele disse.

Estremeci, senti meu corpo ferver, como se conhecesse o homem muito bem, como se soubesse de tudo, arrisquei “Por que?”,  ele respondeu, olhando pra baixo uma frase que eu já ouvi,    seu corpo, em uma camisa aberta oscilou minimamente um movimento para me tocar, para se aproximar, eu queria, mas não, ele queria, mas não  veio, deixou a guitarra pesar sobre o colo e voltou a tocar, como se só para ele, como que tímido, mas generosamente para mim, era para mim.

Especialmente para mim, e eu tinha que ouvir, sem tocar, sem chorar, e sem sentir nojo das suas manchas na pele, das suas marcas de ossos e das suas veias pelo pescoço, braço e face. Deixei ele me tocar da maneira mais devastadora que poderia, até me ver do avesso, até me ver do fim ao começo, em um banco de madeira, num bar de esquina apanhei de uma guitarra velha, de um homem velho, apanhei toda minha vida nas mãos, o mundo não é muito maior que um banheiro.

O mundo cabe em um bar de esquina, estava tudo ali, raio x, dossiê, em notas, eu queria conversar, mas ele não queria dizer, não com palavras, o céu já laranja, sensação de fome familiar, porra, como somos pobres, como somos uns fudidos, nessa porra desse bar só tem farinha. Então terminamos assim? Isso me deixou triste, cansada, pedi pra ele informação de onde poderia comprar sabonetes como quem se despede.

Minhas pernas foram embora, tentando reconhecer o caminho, e eu não entendia nada, eu sob os postes alaranjados do Bom Retiro, ou Barra Funda, ou qualquer rua suja com pessoas que dão medo, consegui enfim comprar sabonetes, Caio talvez já estivesse enrugado.

Não precisei me preocupar com o caminho de volta, o cachorro veio me buscar, me guiou até em casa, que horas são? Porra! Não consigo abrir a porra do portão! Mas deu tempo de alguém fechar essa merda?

Brigamos, eu o portão e as chaves, a vizinha abriu a porta, cheguei a tempo do  banho, entrei com Caio, que reclamou dos meus pés descalços.

Eu não poderia lembrar de nenhuma das músicas, mas e se não aconteceram?  Acontecerão ainda na imaginação de um velho sem trastes, numa quinta feira de esquina? Acho que aquele lugar tinha cheiro as nossa casa...

Tinha cheiro de lembrança boa, de que a gente já foi feliz. “ Benzinho, aqui perto da sua casa tem um bar com uma guitarra pendurada, já viu?”... Não importa muito a resposta que ele me deu, depois de algum tempo casais não precisam mais dizer sim e não um para o outro, dá pra ler nos olhos... E agora eu já sei de tudo, sei que você me espera numa esquina daqui noventa anos, com os olhos revezando os lados, com ora a frente, ora as costas me esperando o abraço.

“Benzinho, desculpa se eu demorei, não conseguia abrir o portão, não conseguia achar o caminho... Nós temos sempre compromisso, estamos sempre correndo, me seca o pé, e  me deixa te abotoar todos os botões que você não abotoaria, pronto, é isso, até daqui a pouco, amanhã, ou noventa anos de espera muda, não dói não, não é aflito, dá medo, mas foi um encontro incrível benzinho. O tempo não é ruim pra esses sentimentos...”


sábado, 30 de março de 2013

odeio ouvir outra garota dizer seu nome.

medalha de St. Antônio

Eu não quero, nem poderia
estar com você a todo tempo
(não é à isso que esse presente se propõem)

Eu não quero, nem poderia
acreditar que isso vai te proteger de alguma maneira,

Porque Deus não existe, e santos também não. (nós sabemos)

As coisas boas da vida! Ah as coisas boas da vida!
(mesmo poucas) São muito boas, fazem valer a pena...

Que você possa carregar com você, nesse presente,
uma coisa boa, uma boa lembrança.

Que te traga a sensação de que pode ser bom, viver, amar...
Pode ser bom...

Você me dá forças pra acreditar, nisso e em mim
Eu te amo sem medo.


Estou com frio, e sei que você demora.
Meu cheiro não é bom, porque estive nervosa... 

Que tal experimentar essa porta? 
A vermelha, a minha esquerda,
Você sabe que eu estou aqui...

Meu cheiro não é bom e eu vou chorar.
No seu lugar eu também não viria, 
ou viria? Você vem?
Não falo mais, nunca mais, não mais, não vou dizer, 
Porque você não gosta de me ver assim, enlouquecendo.

Enlouquecer é frio, eu tenho medo das horas.