terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Feliz Ano Novo IV

Este ano pensei que não conseguiria, e começo com isso pensando mesmo que não vou conseguir. Não tenho tido muita vontade de usar virgulas, de escrever os pingos dos is.  Não sei muito bem se ando com vontade de esquecer ou de perdoar, meu pai. Talvez esse ano você espere um poema no ano novo e ele não venha, talvez não se lembre. Eu lamento pelo o que nos separa, por ser tão difícil superar os pequenos orgulhos, mas mais do que isso superar as faltas, os excessos. Lembrar da nossa última viagem longa de carro é bom, eu ainda amo cantar a música do sabiá. Não sei se você se lembra, acho que eu queria que lembrasse... Feliz ano novo, acho que em dois mil e quinze meu coração estará mais pra sopa do que pra pedra, e isso pode ser uma boa oportunidade pra encontrar o que verdadeiramente importa. Desejo que você nesse novo ano não se sinta sozinho e faça caminhadas.

Encaminho uma fotografia da última viagem.

Duas mil e quinze mutucas,

Tico.




segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Obsceno:

Adjetivo masculino: Sensibilidade, afeto, carinho, gesto sincero, delicado, bonitinho, romântico.

Onde fica

o grande museu das sensibilidades perdidas

dos vazios  imensuráveis

dos silêncios não ditos

onde está a distância

que um ponteiro

jamais poderá

passar

Meu nariz no seu cu

Um comentário bastante indelicado foi proferido de maneira muito polida e com palavras ditas bastante rapidamente porém continuou sendo inconveniente meu novo namorado me questionar sobre o amontoado de caixas de papelão dispostas sobre o chão da sala (foi indelicado porque eu já tinha dito que estava passando por uma separação e também porque era muito cedo para eu ter que explicar alguma coisa) na hora eu não pensei muito disse simplesmente que tudo aquilo era do falecido hoje percebi na minha relação com as coisas com as suas coisas: você foi o corpo morto que eu profanei que eu abri e estudei e cavei e procurei desrespeitei o óbito  com quem eu dancei na sala a camisa com quem eu dormi de conchinha a pilha de roupas onde eu enfiei a cara  e cheirei e chorei e afundei as unhas e sequei o choro e dancei de novo quero que fique bastante explicita a questão do falecimento por isso retorno a uma narrativa de um passado distante quando vivíamos juntos e felizes essa narrativa ilustra muito meu papel na nossa relação eis a narrativa: uma cueca suja no chão do quarto ou no canto da cama parecia encaixar-se muito anatomicamente na minha cabeça de modo que o seu cu ficasse no meu nariz você estava estudando ou no facebook e eu aparecia assim na sala exibindo meu nariz no seu cu você ficava envergonhado dizia que estava podre (a cueca) e em seguida ficava bravo naquela época você era vivo apesar de saber que ficaria bravo eu não tinha vergonha de te mostrar minhas aventuras anatômicas com sua roupa na verdade aconteceram muitas coisas entre eu e elas depois que você foi embora eu te xinguei muito tanto que ao encostar de novo nas suas roupas me senti profanar meus próprios demônios me traindo por te perdoar você me magoou tanto que um perdão só seria merecido mediante a morte então eu te matei ignorei sua existência e me rendi ao prazer do seu cheirinho nas coisas antes tive certeza que ninguém me via fechei as cortinas  tranquei a porta ninguém nunca saberia então fingi que não tinha antes nem depois só eu e sua presença materializada eu falando e dançando com o morto na sala quando enfim você veio buscar os fantasmas de você de volta eu disse que tudo aquilo que você tinha era um monte de lixo que eu deveria ter jogado tudo aquilo fora que você era pobre que era um vagabundo que se trabalhasse de verdade teria alguma coisa que preste não foi só recalque era de fato tudo um monte de lixo mesmo pano puído ferro enferrujado madeira vagabunda descolando e papel amassado era mesmo e eu amava e toda aquela tralha me emocionava muito porque era exatamente do jeitinho que você era um tralha estropiado uma coisa que falta peça  eu respondi que aquilo tudo era do falecido como se um morto estivesse acima dos sentimentos de ciúme ou de ódio e de fato minha relação com tudo aquilo só poderia ter se estabelecido mediante sua morte eu não tive como resistir ao cheiro da sua roupa naqueles dias tão sozinhos  mas  de repente  assim como as coisas de todo morto não costumam permanecer intocáveis um dia meu novo namorado encontrou vazia a sala da minha vida.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

véspera de natal


o botão pra fechar a porta do elevador e chegar em casa três segundos mais rápido aqui no prédio não tem só tem um coração vaso vagal vagotonico sofrendo com as exigências funcionais e aceleradas da contemporaneidade é terça feira véspera de natal quem precisa de elevador para ir ao segundo andar como apagar as luzes da minha rua como não gritar com os bêbados e loucos transeuntes do hospício a céu aberto que é o bairro onde moro chamado centro da cidade de São Paulo vulgo cracolândia se eu olho para todo mundo porque ninguém olha para minha janela porque ninguém olha para cima para os meus sonhos de menina hoje me deram dezesseis anos enquanto eu bebia pinga com groselha e quase gozei na calcinha redescubro em mim sempre essa estranha felicidade em ser jovem e sozinha em estar frágil e desacompanhada de noite por que essa gente ainda se espanta eu não quero que o tempo passe por favor quero chegar antes quero um botão que faça a porta do elevador fechar três segundos antes por favor porque tem tanta coisa entre a porta e a cama entre o céu e a chama que inferno os meus dedos colidem com um par de sapatos com a quina do criado mudo da noite muda da minha sala de estar sempre aflita de repente eu penso no natal do ano passado  na gente junto do frango que nunca ficava pronto do vinho que ganhei da minha chefe vinte por cento álcool e de dormir abraçado de contar histórias para o seu pai deitada na cama dele seu pai é um velho bonito que concentra nos olhos muito tristes todas as coisas que você tem de bom seu pai é mais uma das coisas no mundo que não se entende hoje é véspera de natal e meu coração começa a gostar das casualidades de ser uma pessoa só o que não tem muito a ver com ser livre mas experimento ser só e ser livre em um momento coincidente experimento de maneira tímida só não sei porque muito bem hoje a música raspou as paredes de mim arranhou por dentro quantas vezes é preciso respirar para equilibrar o corpo com o meio o que eu preciso fazer para ser menos estranho ser um ser humano vivente nesse planeta por que o amor dá medo por que ter prazer dá medo é melhor ser ou estar eu quero que a janela seja apenas mais um elemento da paisagem eu não quero estar para algum lado de dentro eu sou essa confusão chamada de cidade eu sou a pessoa que um desses malucos transeuntes vai encontrar no balcão de qualquer esquina eu amo essa gente fedida muito triste e muito maluca  e que sabe ser sozinha mesmo eu também estou desistindo do que eu acreditava acho que isso se chama experiência em uma encarnação mais evoluída se eu acreditasse em encarnações mais evoluídas eu acho que não acreditaria mais em nada enquanto não enquanto ainda nessa vida aceito que não posso pagar o que devo ao santander não posso apagar as luzes da minha rua e vou pra cama olhando para o foco de luz no poste ouvindo os carros rasgarem o asfalto molhado de chuva e os corações que não dormem nessa terça-feira doída.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

ter uma namorada

não combina com um rockstar

sábado, 13 de dezembro de 2014

Sobre a dor das pequenas perdas

-seria bom, não seria?
-a gente nunca vai saber
-eu imagino que sim
-melhor assim
-assim como?
-ah, assim
-talvez

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

dos dias que parecem nunca ter acontecido


uma sobriedade inimaginável não acreditei que era eu em cima da bicicleta indo para sua casa às três ou quatro da manhã de um dia de porre não teve sexo aquela noite só choro e eu lembrei de mim assim de costas para alguém chorando pelo mesmo motivo algumas vezes quando a gente é gente grande tem cama de casal ai é mais solitário ainda nem se encosta mesmo enquanto eu te esperava chegar na minha casa vomitei um tanto de pinga com groselha pensava de um jeito confuso que tinha feito uma besteira que você iria precisar cuidar de mim que eu não conseguiria dizer uma palavra me revirava em casa fazendo esforços pra acertar um saco plástico de supermercado que estava furado azar pensei se te mandava embora se comia bolacha de água e sal se arrumava minha mochila se tentava ficar mais bonita decidi escovar os dentes você mandou uma mensagem, disse que estava na janela há meia hora eu não entendi nada momentos de embriagues entre  uma e três são na minha memória algo como um borrão de tintas da cor amarela e verde e roxa escura que são as luzes que reflete a noite da janela do meu quarto mais precisamente da cama ah sim e também a cor vermelha de groselha e pinga e ácido dentro do saco de super mercado desci pra te encontrar e estava ótima nova como se nada tivesse acontecido não consegui entender essa mágica  na sua casa foram muitos abraços enormes longos e desesperados o seu cheiro é muito forte e eu não sei ainda se gosto dele ou não quando a gente transa eu gosto mas esse dia não transamos nós falamos tantas coisas e não nos entendemos e engolimos mais um tanto que gostaríamos de dizer mas não dissemos porque não adianta ninguém se escuta nessa merda dessa contemporaneidade mas quando a gente transa é como se tudo estivesse no lugar virgem e leão é assim mesmo conflito ascendente em escorpião e aquário tudo na vida tem explicação exceto o fato do seu olhar ir de extremamente apaixonado para presunçoso arrogante em menos de um segundo assim de noite de perto de mim e eu não me interesso mais olho pro meu umbigo e penso que sofro não lembro quando eu dormi só lembro que estava chorando de manhã eu tentei ir embora sem você ver quando fechei a porta do elevador você  a abriu e me obrigou a dizer: -tchau

-tchau.



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

de repente


me despeço com pressa sumo em uma esquina choro baixinho no caminho de volta passar pela rua onde você mora de repente ficou muito triste imagino seus horários se me vê passar e o que eu diria ou se não diria nada talvez contar um segredo estancar o medo te mandar ir embora te pedir pra ficar te esperar na porta fingir que não me importo crescer alguns anos chegar mais cedo voltar um pouco antes de eu te mandar sair fora agora eu passo na sua rua com uma sensação estranha de repente o predinho rosa com carro azul na frente ficou profundamente triste.

Quer ouvir uma sacanagem muito grossa?

Eu te amo.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Oi reticente

carente
pra sempre
sozinho
no cyber espaço

ele nunca respondeu

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

alguma coisa boa ainda vai acontecer

um menino magro
grita porque machucou o dedo

e ninguém escuta
seu corpo na areia

é um nó

seus olhos são alegres
em uma fotografia de alguém que não o conhecia

mas são muito profundos e muito tristes
quando choram na areia

são tristes os olhos
quando ele engole
o que, mesmo se pudesse, não saberia dizer

o menino queria chorar para sua mãe
mas não pode

então se distrai
com o brilho do sol na água

é o vento de perto desse mar imenso
que venta pra dentro

que faz o menino saber,
que nessa vida tão injusta

alguma coisa boa
ainda vai acontecer