Sonhei com você, sonhei que você
não tinha medo, e por trás de nós o céu era azul como nunca foi nas manhas que andamos
de mãos dadas na Barra Funda. Agora, de mão e imaginação atadas, escrevo
vacilantes letras e palavras, sem certeza se nosso próximo encontro será como
queria que fosse ou se serei eu tentando roubar seus olhos ao som dos passantes,
da banda multidão, da fanfarra de um milhão, da orquestra sinfônica de pessoas
que não falam a minha língua, que não me conhecem, que não conhecem a minha língua (não como você conhece) e nunca vão saber o que meus olhos procuram nos seus.
Eu não sei o caminho da sua casa,
mas eu sei da cor dos seus olhos, e poderia dar nome a mais de 50 tons de
marrom, eu conheço o desenho das veias do seu braço, enquanto você segura forte
o braço do violão, ou o meu braço, ou minha cintura, ou meu seio, ou meus dois
seios, ou todo meu desespero. Eu conheço sua voz entre outras vozes em uma
gravação, e eu já voltei algumas vezes teu verso pra te ouvir de novo, dizer
qualquer nota. Confesso que reparo nas manchas das suas costas, isso significa
que sei coisas sobre você que você não sabe, eu vi em ti o que você ainda não
viu. E eu sei que eu vi, e poderia dizer
longitude e latitude da sua cicatriz da escada, e de outras marcas, que eu vi
com todo meu coração.
Eu poderia dizer sobre seus lençóis e toalhas
ou sobre as suas meias e cuecas, sobre a tapware que você usa de saboneteira
ou poderia cantar como bate o seu coração, eu acertaria a nota de primeira. Mas faz quase um ano e não sei o caminho da sua casa, porque sempre estava ocupada sentindo seus
dedos na minha mão, ou ansiedade na minha barriga, ou qualquer lembrança
próxima da alegria de reconhecer, é mais ou menos por aqui, é ali, é sim, já é
ali.
Se você me escapa do abraço, ou demora muito
falando em outra garota tenho vontade de escrever meu nome nos moveis, tenho vontade de pintar uma parede inteira com sangue do meu útero. Eu
quero que o desenho do meu corpo fique na sua cama, por semanas. Quero meu cheiro
no lençol e travesseiro, o mês inteiro, o ano inteiro, por entre todas as luas, que são sempre a mesma lua, por entre todas as metáforas e metonímias, todos os dias.
Quero dançar com as suas
mentiras, e entender porque devo acreditar nos seus beijos e em quando você diz
que gosta de mim se não posso acreditar em mais nada da sua boca. Quando eu sonho
com você, você está sempre mais novo, sempre com os olhos alegres e não mente,
eu sei que não. Será que meu sonho está longe demais? Estou pedindo muito? Seus
lábios encontravam meu rosto, meu pescoço, meu abraço e sorriso no céu mais azul de
todos, meu vestido era o figurino de um filme sobre a mulher mais feliz do
mundo, passarinhos cantavam como aqueles que nos acordam a manhã... O que
estão fazendo os pássarinhos dos meus sonhos na Barra Funda?