segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Luiz não combinou com os russos - Cap.3 Uma máquina que dizem apitar como coração mas na verdade apita como máquina.


Não tinha lembranças de sua avó em pé, certa vez quando mais novo entrou no quarto da avó e descobriu as pernas dela, mas para sua decepção eram normais... Então porque ela não se levanta? Vovó está sempre dormindo com a porta do quarto aberta, a cama e a máquina de frente para porta...

As pessoas comuns precisam comer para viver, mas vovó vive ligada na tomada, talvez seja por isso que ela só dorme. As vezes as pessoas falam da avó como se ela estivesse morta “foi uma grande mulher”, “ela era muito difícil”, “ela era muito inteligente”. Mas vovô diz que ela, mesmo dormindo pode escutar. Quando ele vai conversar com ela, fecha a porta, todos ficam curiosos, mas ninguém nunca se esforçou pra ouvir, medo de ficar triste.

Luiz acordou da primeira noite dos próximos longos meses na casa dos seus avós ainda com sentimentos tristes e a estranha sensação de enforcamento que o fazia perder a força para falar. Antes que ele descesse as escadas seu avô lhe chamou em seu quarto.

O avô perguntou se Luiz sabia ler bem. Luiz fez que sim com a cabeça e vovô pôs-se a falar-lhe:

-Luiz, você sabe que sua avó escuta tudo que dizemos a ela, não sabe?

Fez que sim com a cabeça.

-Pois bem garoto, você poderia me perguntar como sei disso com certeza, não poderia? Você poderia duvidar de seu avô, mas eu posso lhe provar que sua vó esta mais viva do que todos nós, e mais viva do que muitos pensam.

Luiz percebia seu avô preocupado.

-Ontem à noite conversei com ela que você passaria alguns dias aqui, seu pai me ajudava muito com sua avó, mas seu pai agora está viajando, eu e ela precisamos de você. Vem comigo.

O avô levou Luiz até o quarto da avó, ambos pediram licença para entrar, o avô abriu um grande armário, nele havia vários livros. Vovô pediu para que Luiz escolhesse um e começasse a ler apenas para si mesmo, depois lesse a mesma parte para sua avó.

Conforme Luiz ia lendo para ela a história ia se transformando, as letras no livro reescreviam-se, ele viu aparecer uma outra senhora, dona Maria, na casa de Jean valJean. Luiz fechou o livro rápido e assustado, nesse mesmo instante as pálpebras da sua avó se mexeram muito sutilmente contraindo-se e relaxando em seguida, mas esse movimento pareceu durar horas diante dos olhos de Luiz e do Avô, ver o pequeno movimento da avó foi como ver aquela casa toda indo ao chão e virando pó.

Luiz sentiu que não conseguiria falar nunca mais, ficou com medo do avô brigar com ele por conta de sua reação assustada, ou por ter feito a avó o responder, mas o avô foi compreensivo.

Vô Bernardo abriu o livro que Luiz deixou cair no chão. A história era outra, em outras palavras.

-Sua avó merece viver, não podemos contar isso a ninguém, não podemos confiar este segredo a ninguém. (Silêncio) Luiz, eu não consigo mais ler, você precisa ajudar sua avó a viver suas histórias e esse vai ser nosso maior segredo.

Luiz, nunca tinha imaginado que toda vida é uma história, e também jamais tinha imaginado que a vida da sua avó, que parecia apenas reticências nas folhas em branco dos próximos dias, seria na verdade muitas histórias.