quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

véspera de natal


o botão pra fechar a porta do elevador e chegar em casa três segundos mais rápido aqui no prédio não tem só tem um coração vaso vagal vagotonico sofrendo com as exigências funcionais e aceleradas da contemporaneidade é terça feira véspera de natal quem precisa de elevador para ir ao segundo andar como apagar as luzes da minha rua como não gritar com os bêbados e loucos transeuntes do hospício a céu aberto que é o bairro onde moro chamado centro da cidade de São Paulo vulgo cracolândia se eu olho para todo mundo porque ninguém olha para minha janela porque ninguém olha para cima para os meus sonhos de menina hoje me deram dezesseis anos enquanto eu bebia pinga com groselha e quase gozei na calcinha redescubro em mim sempre essa estranha felicidade em ser jovem e sozinha em estar frágil e desacompanhada de noite por que essa gente ainda se espanta eu não quero que o tempo passe por favor quero chegar antes quero um botão que faça a porta do elevador fechar três segundos antes por favor porque tem tanta coisa entre a porta e a cama entre o céu e a chama que inferno os meus dedos colidem com um par de sapatos com a quina do criado mudo da noite muda da minha sala de estar sempre aflita de repente eu penso no natal do ano passado  na gente junto do frango que nunca ficava pronto do vinho que ganhei da minha chefe vinte por cento álcool e de dormir abraçado de contar histórias para o seu pai deitada na cama dele seu pai é um velho bonito que concentra nos olhos muito tristes todas as coisas que você tem de bom seu pai é mais uma das coisas no mundo que não se entende hoje é véspera de natal e meu coração começa a gostar das casualidades de ser uma pessoa só o que não tem muito a ver com ser livre mas experimento ser só e ser livre em um momento coincidente experimento de maneira tímida só não sei porque muito bem hoje a música raspou as paredes de mim arranhou por dentro quantas vezes é preciso respirar para equilibrar o corpo com o meio o que eu preciso fazer para ser menos estranho ser um ser humano vivente nesse planeta por que o amor dá medo por que ter prazer dá medo é melhor ser ou estar eu quero que a janela seja apenas mais um elemento da paisagem eu não quero estar para algum lado de dentro eu sou essa confusão chamada de cidade eu sou a pessoa que um desses malucos transeuntes vai encontrar no balcão de qualquer esquina eu amo essa gente fedida muito triste e muito maluca  e que sabe ser sozinha mesmo eu também estou desistindo do que eu acreditava acho que isso se chama experiência em uma encarnação mais evoluída se eu acreditasse em encarnações mais evoluídas eu acho que não acreditaria mais em nada enquanto não enquanto ainda nessa vida aceito que não posso pagar o que devo ao santander não posso apagar as luzes da minha rua e vou pra cama olhando para o foco de luz no poste ouvindo os carros rasgarem o asfalto molhado de chuva e os corações que não dormem nessa terça-feira doída.

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